No mês passado, nós comemoramos o Dia dos Pais e, por isso, escolhemos falar sobre uma das histórias que mais nos mostram a devoção de um pai, um homem que é capaz de passar pelas maiores provações para reencontrar seu filho. Na coluna deste mês, comentaremos o clássico italiano que deu origem a Pinóquio (1940).
O autor Carlo Collodi nasceu em Florença, Itália, no dia 24 de Novembro de 1826. Enquanto seu pai trabalhava como cozinheiro, ele cresceu na cidade de sua mãe, Collodi, com dez irmãos. Em 1975, ele entrou no mundo da escrita, traduzindo contos de fadas de grandes autores como Charles Perrault.
Fascinado por esse mundo de alegorias, Carlo começou a escrever, em 1880, A História de uma Marionete. A obra começou sendo lançada em forma de folhetim semanal em um jornal de Roma mas, em 1883, foi terminada e compilada em um livro sob o título As Aventuras de Pinóquio.
Carlo morreu em 1890, sem ter real noção do quanto sua obra seria famosa. Hoje, a história é uma das mais traduzidas do universo infantil, além de ter sido adaptada para diversas outras mídias como filmes e peças de teatro. A versão que mais conhecemos é, claro, a animação dos estúdios Disney lançada em 1940 e que traz como tema a icônica “When You Wish Upon a Star“.
Em seu livro, Carlo conta a trajetória de um boneco de madeira que ganha vida, mas que não consegue se manter no caminho correto e acaba sendo levado para longe de seu pai. Gepetto fará de tudo para ter o filho de volta. Nesse universo, cada criatura encontrada no caminho, seja humano ou animal, é capaz de falar. Inclusive um pequeno grilo, que muito amamos, mas que, em sua versão original, pouco aparece.
Sabemos bem que todos os contos que passam nas mãos dos roteiristas Disney são muito modificados até alcançarem as telas. Em alguns casos, cenas e personagens são adicionados para melhor contar a história. No caso do boneco de madeira, o que houve foi um grande pente fino na trama. A adaptação animada selecionou os elementos principais da obra original – que é muito mais recheada de cenas redundantes – e tornou o herói da história, Pinóquio, muito mais carismático.
Ler histórias antigas como a de Collodi sempre nos coloca em outro momento histórico e, por isso, valem a pena serem lidas em sua integridade. Corra atrás do livro, ele já é de domínio público, e depois, retorne para dizer o que achou. Cuidado com os spoilers a partir de agora, já que iremos comparar as duas versões e seus detalhes.
A trama começa com Gepetto comprando um toco de madeira para construir um boneco com o qual pretende viajar o mundo. Em sua casa, não há dezenas de relógios cuco nas paredes ou qualquer sinal de Fígaro e Cléo. O lugar não é aconchegante como o conhecemos. Mal sabe ele que o pedaço de madeira é mágico, e ganha vida a cada parte de seu corpo esculpida. Logo está falando e saltitando.
Sabemos que será uma história extremamente fantástica e alegórica, já que Gepetto não se surpreende ao ver o bloco de madeira ganhar vida. O homem apenas o batiza de Pinóquio e passa a tratá-lo como um filho. Se acha que a história começou diferente do desenho animado, você mal pode esperar pelo o que está por vir.
Após ganhar vida, o boneco de madeira foge para as ruas, onde todos se assustam com ele. Gepetto tenta levá-lo de volta pra casa à força, mas é mal interpretado por um policial que passa, e acaba sendo preso por maus tratos. Pinóquio não o defende, continua a fugir, e chega a uma casa vazia onde encontra apenas um grilo falante.
A conversa entre os dois mostra que Pinóquio, apesar de representar um criança, não se encaixa nos padrões infantis de hoje. Tudo o que ele quer é passar a vida bebendo e se divertindo sem trabalhar. O grilo tenta alertá-lo, dizendo que, assim, ele irá se tornar um burro e que o melhor é obedecer a seu pai. Um conselho sábio, não?
Infelizmente, aquele que conhecemos como a doce consciência de Pinóquio morre nesse instante, pois o boneco, irritado, acerta-o acidentalmente com um martelo. Tal desfecho para o pobre inseto nos mostra o quanto o conto original é mais sombrio do que o desenho animado. E esse é apenas o começo de uma longa jornada para o menino de madeira.
Pinóquio mostra seu lado infantil e egoísta, quando sente fome e percebe que, sem um pai, não possui a menor chance de sobreviver. Ele decide ir para as ruas e bater nas casas pedindo comida, porém consegue apenas um balde d’água fria em sua cabeça. Ao voltar para casa, vazia, dorme com a barriga roncando.
Na manhã seguinte, Geppetto retorna para casa e o boneco lhe conta tudo o que aconteceu durante a noite e, para piorar, mostra que os gatos comeram suas pernas enquanto dormia. Seu pai sente pena e, sem guardar mágoa alguma, dá para o garoto sua única refeição – três peras e refaz suas pernas. Pinóquio fica tão agradecido que promete ser bom e ir para a escola.
Há, porém, um problema: ele não possui roupas ou livros para estudar. Gepetto, então, faz roupas de papel para o boneco, e vende seu único casaco para comprar livros. Pinóquio, mesmo tão novo e de madeira, começa a entender o que é pobreza. No entanto, apesar de receber esse ato de bondade, a marionete está longe de mudar seu jeito egoísta.
Pinóquio começa indo empolgado para a escola, fazendo planos sobre seu futuro, mas, ao ver o teatro de bonecos da cidade, decide que irá matar aula. E como comprará seu ingresso? Vendendo o livro que Gepetto se sacrificou para comprar. Ao entrar no teatro, todos os bonecos o reconhecem de algum modo e comemoram sua vinda.
Eles são marionetes que têm vida, não são controladas por um humano. Há, porém, um homem de barba negra, o qual conhecemos na animação como Stromboli, apesar de não ter esse nome no livro. Ele decide que irá queimar Pinóquio como lenha para terminar seu jantar, já que o boneco atrapalhou seu show.
O boneco implora para não morrer, conta sua história, e o homem se compadece. Não apenas liberta o garoto, como lhe dá cinco moedas de ouro por sentir pena da situação de Geppetto. Pinóquio, então, parte em sua jornada de volta para casa, já planejando que, com o dinheiro, comprará um novo casaco para seu pai. Em seu caminho, porém, aparecem duas criaturas que já conhecemos bem: a Raposa e o Gato Cego.
Os dois dizem conhecer Gepetto e, ao verem o dinehiro do boneco, alegam saber como Pinóquio pode tornar a quantia milhares de vezes maior: basta plantar o dinheiro. No dia seguite, cada moeda terá gerado quinhentas outras. Um golpe, é claro. E nem mesmo o fantasma do grilo falante consegue convencê-lo do contrário.
A partir de agora, a história começa a ficar completamente diferente da que conhecemos. Enquanto vai plantar suas moedas, Pinóquio é perseguido por dois assassinos que querem seu dinheiro. O boneco esconde as moedas em sua boca, a qual os bandidos não conseguem abrir à força. Irritados, eles tentam, então, enforcar Pinóquio.
Lembram-se que a história foi inicialmente lançada como folhetim? Pois bem, ela terminaria com a marionete morrendo enforcada. Sinistro, não? Porém, ao compilar os contos em forma de livro, o autor continuou escrevendo e essa segunda parte está cheia de personagens e cenas icônicas. Pinóquio é salvo por uma fada de cabelos azuis – nossa querida Fada Azul – que tenta tratá-lo como um filho.
Contudo, ao contar sua história para a fada, o boneco mente diversos ponto e, como castigo, vê seu nariz crescer. A fada ri, explica que o boneco não deve mais mentir e pede que ele busque Gepetto para que todos possam morar juntos. Pinóquio parte rumo a sua casa, mas é novamente encurralado pela Raposa e pelo Gato, e se deixa levar pela historia de plantar dinheiro mais uma vez.
Nosso protagonista promete que irá ser bom e agir corretamente várias vezes, e em seguida quebra sua palavra deixando-se levar por estranhos e se arrependendo apenas quando se vê em apuros. Essas recaídas constantes fazem com que nos sintamos andando em círculos. É exaustivo e não faz o personagem evoluir. Na realidade, quanto mais lemos, menos gostamos de Pinóquio.
Pinóquio planta suas moedas apenas para descobrir, no dia seguinte, que os dois farsantes as roubaram durante a noite. Ele começa mais uma vez sua jornada para voltar para casa de seu pai, mas, dessa vez, não será um caminho fácil. Ele conhece um pombo que diz ter visto Gepetto sair pelos mares, em um barco, à procura de seu filho. A marionete nada durante uma noite inteira sem sucesso, chegando por fim a uma ilha.
Lá, ele encontra um golfinho que diz que seu pai foi provavelmente engolido por um enorme peixe. Pinóquio também reencontra a fada de cabelos azuis e descobre que não pode crescer porque não é um menino de verdade. E como se tornar um? Sendo um bom garoto, claro. Novamente, ele promete que irá a escola e, finalmente, cumpre sua palavra. Infelizmente, sua maior provação ainda está por vir.
A fada diz que Pinóquio deve chamar seus amigos de escola para tomarem café da manhã com eles no dia seguinte, pois o boneco irá se tornar um menino de verdade. Ele convida a todos, inclusive o garoto de quem gosta mais, Espoleta. Mas o menino não pretende ir ao café da manhã. Na verdade, pretende ir a um país perfeito, onde não há escolas, professores ou livros.
Nesse país, ninguém precisa estudar, pois todos os dias são fins de semanas e todos os meses são de férias. Pinóquio não aceita o convite prontamente, mas seu amigo insiste e, quando a carruagem chega para buscá-los, o boneco não consegue resistir. Ela está cheia de meninos entre oito e catorze anos e é puxada por doze burros.
Para a desconfiança da marionete, um deles chora como um menino humano. A ilha perfeita é exatamente como a que vimos nas telas dos cinemas: garotos correm para todos os lados gritando, brincando e vendo filmes. Cinco meses dessa vida se passam em um piscar de olhos, até que os meninos acordem e percebam que estão se transformando em burros, o destino de todos os meninos que não querem estudar ou trabalhar.
Como fãs, nos lembramos na mesma hora do desenho animado e a cena se torna ainda mais assustadora, pois vemos nascer, primeiro, as orelhas e, em seguida, a cauda dos dois amigos, logo eles não conseguem nem ao menos se levantar. No entanto, diferentemente da animação, Pinóquio se transforma completamente no animal. O cocheiro que levou os garotos para a ilha pega todos os burros e os vende.
Para nosso horror, nosso boneco de madeira em forma de burro é vendido para um dono de circo que o treina arduamente, com chicotadas, por três meses antes de vendê-lo novamente a um comprador que pretendia usar sua pele. Antes de tirar a pele de Pinóquio, o homem decide matá-lo afogado, amarrando uma pedra em suas pernas e jogando-o no mar.
A fada, porém, interfere e transforma o burro em boneco novamente. Livre mais uma vez, ele começa a nadar mas é comido, em seguida, por um imenso monstro marinho, um peixe gigantesco que, no desenho, se tornou a baleia Monstro. Dentro do animal, um homem mantém uma vela acesa sobre uma mesa de madeira: Gepetto!
Pinóquio morre de alegria ao vê-lo e cria um plano: os dois irão escapar pela boca do peixe. O homem não consegue nadar rápido, mas o boneco promete carregá-lo em suas costas. Os dois mal conseguem chegar à costa, mas o que importa é que estão vivos. E juntos! Esse pequeno momento de altruísmo é o começo da redenção de nosso protagonista.
Determinado a ajudar o pai e a voltar para a escola, Pinóquio ignora os novos apelos da Raposa e do Gato e passa a trabalhar todos os dias, até que, enfim, a fada lhe concede seu desejo final e o transforma em um menino de verdade. Fico feliz por ter conhecido a história original mas verdadeiramente acredito que assistir à adaptação animada é uma experiência melhor.
Mais de um século se passou desde que a obra de Carlo foi lançada e a verdade é que ela não consegue entreter como provavelmente o fez em sua época. A mensagem do desenho é muito mais clara e a empatia que criamos pelo personagem é infinitamente maior. Acredito que a decisão de manter o Grilo Falante durante toda a história foi uma das mais acertadas dos roteiristas.
Afinal, ele é a humanidade em Pinóquio e faz falta no livro. Além disso, o boneco de madeira se redime de forma muito mais dramática no desenho, já que acreditamos ter morrido antes de se tornar um menino de verdade. Por fim, em livros não há músicas, e “When You Wish Upon a Star” é o que faz o conto deixar de ser assustador e passar a ser cheio de esperança e magia.
E então, Camundongos? Já conheciam a história original de Pinóquio? Qual das duas versões preferem? Não deixem de nos contar nos comentários e de sugerir histórias para as próximas edições da coluna!