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Clássicos na Crítica | Atlantis: O Reino Perdido

“Eu vou encontrar Atlântida nem que eu tenha que arranjar um barco e remar.”

Milo Thatch

As animações clássicas dos estúdios Disney, como A Pequena Sereia (1989) e Aladdin (1992), estão guardadas em um lugar especial nos corações de todos os fãs. E talvez por isso, acidentalmente, outras obras se perderam em nossas memórias. Obras tão boas quanto, e em alguns casos até melhores, como a da coluna de hoje, Atlantis: O Reino Perdido.

Lançado em 2001, Atlantis: O Reino Perdido foi a primeira animação Disney dentro da temática Ficção Científica. O filme contou com uma equipe técnica de peso, foi dirigido pela dupla Gary Trousdale e Kirk Wise (A Bela e a Fera), escrito por Tab Murphy (O Corcunda de Notre Dame) e produzido por Don Hahn (O Rei Leão).

A ideia surgiu durante um almoço em Burbank, Califórnia, onde os diretores e roteiristas conversavam sobre filmes de aventura que gostavam de assistir quando eram crianças. Eles haviam recentemente finalizado a produção de O Corcunda de Notre Dame (1996) e queriam tentar diferente do gênero musical.

Quando contaram a ideia para os executivos da empresa, usaram a Disneyland como exemplo. Quase todos os filmes anteriores se encaixam no perfil da Fantasyland, área do parque construída para representar reinos e magia. Por que não fazer agora um filme que se passe na Adventureland? Essa parte do parque tem como tema grandes aventuras e histórias de ação, como Piratas do Caribe. Os executivos gostaram da premissa e assim começou a produção da animação que duraria quatro anos e meio.

O filme começa milhares de anos no passado, Atlântida está no ápice de seu desenvolvimento quando sua fonte de energia foge do controle e causa uma onda gigantesca. Ela se aproxima da cidade e todos correm para se proteger. A rainha, no entanto, é atraída e absorvida pela energia que paira no céu. Barreiras são criadas para proteger os atlantes e momentos depois toda a cidade é engolida pelas águas. O filme não fornece maiores esclarecimentos o que cria uma grande atmosfera de mistério na história já nos primeiros minutos.

Em seguida somos levados para a cidade de Washington. O ano de 1914 foi escolhido por permitir que exista tecnologia avançada e ainda assim seja um mundo inexplorado, que justifique alguém ainda acreditar na existência de um local como Atlântida. Conhecemos, então, nosso protagonista, o linguista e cartógrafo Milo Thatch. Ele cresceu ouvindo o avô, Thaddeus Thatch, contar histórias sobre uma cidade possuidora de tecnologia avançada chamada Atlântida e nunca desistiu de encontrá-la. Passou muito tempo estudando e traduzindo livros e textos antigos e parece ter descoberto a localização do mapa até Atlântida. Mesmo com todo seu conhecimento, Milo não é levado a sério pelos intelectuais e responsáveis pelo museu, assim como seu avô não foi.

O rumo de sua vida muda quando é surpreendido por Helga Sinclair, uma linda mulher que foge de todos os estereótipos de personagens femininas Disney. Ela não é delicada e tão pouco inocente, usa roupa provocantes e ao longo do filme se mostra totalmente não-passiva. Ela leva Milo até a mansão do milionário Preston Whitmore que diz ter uma proposta para o jovem.

Mantenha os olhos bem abertos enquanto Thatch caminha pela mansão, pois está cheia de artefatos curiosos que o milionário juntou durante anos em suas viagens ao redor do mundo. No entanto, o objeto mais importante em toda a decoração é um grande quadro onde Whitmore está ao lado do avô de Milo, tudo indica que os dois tiveram uma grande amizade.

Whitmore entrega a Milo o Diário do Pastor, o livro foi encontrado por Thaddeus e supostamente aponta exatamente qual o local onde se encontra a cidade. No entanto, ninguém além de Milo pode lê-lo, pois está escrito em uma língua desconhecida e Preston o convida a ser unir à equipe que formou, já que ele está disposto a financiar a expedição inteira.

Esta cena, na qual Whitmore convida Milo para partir em uma jornada em busca de Atlântida, inicia uma clássica estrutura de roteiro onde o protagonista é convidado a sair do mundo que conhece e partir em uma aventura misteriosa. Curiosamente, Milo é convidado para embarcar em uma missão que sempre buscou e desse modo, aceita sem pensar duas vezes. O roteiro do filme irá permanecer linear até o fim, o que o torna de fácil compreensão. Os personagens irão ser desenvolver, mas não há espaço para dúvidas quanto a suas motivações.

Durante a viagem a bordo do submarino, conhecemos os outros integrantes da equipe. Todos carregam histórias e personalidades muito diferentes das que o público está acostumado a ver em animações. Temos por exemplo Audrey, uma adolescente de origem hispânica que é a mecânica chefe; Vincezo, um demolidor italiano que quer abrir sua própria floricultura; e Doutor Sweet, um médico descendente de negros e índios que trabalhou no exército.

Os personagens diversificados mostram que Whitmore, e de certa forma os roteiristas também, queria os melhores, independentemente de raça, nacionalidade, gênero ou idade. O filme é uma aula de como criar personagens femininas. Elas possuem igual importância no time se comparadas aos homens e são extremamente diferentes entre si. Em vários momentos são responsáveis por levar a trama para frente sem que pareça que foram criadas apenas para suprir algum tipo de exigência ou cota.

Voltando à história, o submarino é atacado por uma criatura marinha conhecida como Leviatã, que Milo acreditava ser apenas uma estátua mas é, na verdade, uma máquina imensa que guarda a entrada do caminho para a cidade de Atlântida. Há no fundo do mar uma bolha de ar onde Milo acredita ser a entrada para Atlântida. A reduzida equipe consegue chegar nesse local de terra firme e começa um novo caminho. Agora, se locomovem em carros, caminhões e escavadores. O uso dessas máquinas antigas em um cenário tão místico quase causa a impressão de estarmos assistindo a um filme steam punk.

A jornada até a cidade se torna também a jornada de aceitação de Milo pela equipe. Ele é sempre deixado de lado por seu porte nada atlético e falta de habilidades. Thatch percebe que aquelas pessoas e ele têm objetivos muito diferentes, enquanto ele quer encontrar a cidade pela ciência e para honrar a memória de seu avô, os outros apenas desejam lucrar com as relíquias que esperam encontrar.

“O Atlantean (A) é um mapa miniatura de Atlântida. É um mapa do tesouro.”

Kirk Wise

Após fugirem de um incêndio, a equipe vai parar na cratera de um vulcão adormecido. Milo se separa deles por acidente e é encontrado por criaturas de grandes olhos brilhantes e cabeças enormes. Parecem animais estranhos! Uma delas levanta o que percebemos agora ser uma máscara e revela ser uma mulher. Ela tem uma aparência exótica que remete a diferentes culturas e carrega consigo um cristal brilhante que usa para curar uma ferida de Milo. A mulher se chama Kida e pertence ao povo de Atlântida. Depois da equipe explicar sua intenção pacífica através de Milo, que é único que fala a língua do povo, ela os convida para visitar sua cidade.

O linguista americano Marc Okrand foi o responsável por criar a língua de Atlântida. Ele é famoso por ter criado outra referência icônica da cultura pop, a língua dos Klingons do seriado Star Trek. Os diretores decidiram que o dialeto seria como a língua mãe de todas as outras, o que justificaria haver conhecimentos tão parecidos ao redor do mundo sem que as civilizações tenham entrados contato. John Emerson criou o design da escrita do idioma. Após vários desenhos, os diretores escolheram o símbolo que melhor representa a cidade e também a letra “A”.

Enquanto a equipe caminha até a cidade de Atlântida, o público pode apreciar alguns momentos de exposição. Os cenários criados são lindos. Atlântida tem seu próprio ecossistema, com animais que deveriam estar extintos e plantas nunca vistas. Astutamente, os diretores planejaram o ciclo da água: ela vai das cascatas e evapora ao tocar a lava sob a cidade, originava do vulcão, e retorna aos atlantes em forma de chuva.

As roupas, ornamentos e construções na cidade mostram que o povo atlantis vem da união de várias culturas. As construções estão destruídas pelo tempo mas a população vive normalmente. Milo não encontrou as ruínas que procurava, tampouco encontrou uma civilização bem desenvolvida. Atlântida está no meio termo, sobrevivendo.

“Eu me lembro de assistir uma versão inicial do filme e notar que esses personagens possuíam grandes mãos quadradas e estranhas. Eu disse pro cara do meu lado ‘Que mãos legais!’, e ele me respondeu ‘É, são suas mãos. Nos fizemos uma reunião sobre como desenhar suas mãos’.”

Mike Mignola

Enquanto assiste ao filme, a arte da animação pode causar no espectador a sensação de não estar assistindo a um filme tradicional Disney, e isso não é por acaso. Mike Mignola, quadrinista famoso pela obra Hellboy, foi o artista responsável por criar os desenhos iniciais dos cenários e personagens do filme. Seus esboços e traços definiram o estilo artístico que o filme iria seguir. Os animadores adotaram os desenhos como guia e incorporaram o estilo de Mignola nos designs e movimentos. Caricato e anguloso, o estilo diferente se encaixou muito bem com o modelo de história também nada tradicional .

O filme era, na época, a maior obra Disney a usar efeitos digitais em suas cenas. A computação gráfica não está presente para impressionar, e sim, para se mesclar com os personagens e melhor contar a história. Os animadores e modeladores diminuíram as sombras de suas construções e objetos, e as contornaram para não parecerem realistas demais. Também foram usados para adicionar efeitos sutis ao longo do filme, como o reflexo da água.

Kida os leva até o rei, que descobrimos ser seu pai. Ele ordena que os viajantes deixem o lugar de uma vez, mas a princesa argumenta: diz que eles precisam de ajuda, mesmo que venham de fora. A decisão do rei, no entanto, é final. A equipe fica desolada e sugere que Milo vá falar com Kida sozinho, para descobrir o que está acontecendo. Kida está tão fascinada por Milo quanto ele por ela. E sua curiosidade só aumenta quando ela percebe que Thatch consegue ler as escritas antigas. Esse conhecimento sumiu de seu povo e pode ser a chave para saber o que levou Atlântida a ser destruída no passado e salvá-la.

Os dois mergulham para que Milo possa traduzir as ruínas submersas onde está escrita a história de Atlântida. Os diretores tentaram, através da iluminação, criar uma atmosfera romântica na cena, apesar do romance estar presente apenas como subtrama. Nesta cena, temos um dos melhores temas criados pelo compositor James Newton Howard para a trilha do filme, “The Secret Swim“. Newton já havia trabalhado com os estúdios em Dinossauro (2000) e não encarou Atlantis: O Reino Perdido como uma animação infantilizada, porém como um filme de aventura cuja única diferença é os personagens animados, ao invés de carne e osso.

Se prestar atenção na trilha irá perceber que para Newton há dois mundos, um antes de chegar em Atlântida que consiste em uma aventura clássica, e outro após encontrarem a cidade, onde a história de torna mística local. Howard escreveu o tema principal sem nem ao menos assistir ao filme terminado, apenas se baseando em conversas com o diretor e desenhos.

Quando os dois retornam das ruínas são surpreendidos por Rourke. O comandante possui a página que faltava do Diário e já sabe da existência de uma super fonte de energia, apesar de não saber sua localização. Sua intenção é encontrá-la e vendê-la para o país que melhor pagar, diferentemente de Milo que a quer por curiosidade. Não podemos esquecer que a história se passa próximo ao início da Primeira Guerra Mundial e ter em mãos uma arma tão poderosa definiria todo o seu rumo.

Milo não se une à equipe de mercenários, mas isso não impede Rourke de encontrar o cristal que está escondido no subsolo, abaixo do trono do rei. Ele e Helga arrastam Milo e Kida consigo até a câmara do cristal. A fonte de energia parece saber que corre perigo e atrai Kida para si, assim como vez com sua mãe, a garota e o cristal passam a ser um só. Ela entra voluntariamente no cofre de transporte levado pela dupla de mercenários.

O restante da equipe começa a sentir o peso do ato cruel que estão cometendo e a maioria dos integrantes desiste de levar Kida, pois percebem que sem o cristal, aquela população morrerá. Helga e Rourke no entanto permanecem firmes e partem com Kida.

Enquanto isso, o rei Kashekim está morrendo e decide contar a Milo toda a história do que realmente aconteceu com Atlântida e que escondeu da filha. O cristal não é apenas uma fonte de energia, ele se alimenta das emoções dos antepassados do povo e com o tempo passou a possuir consciência própria. Em uma tentativa de proteger o lugar, o cristal escolheu um integrante da família real para absorver e, assim, ser capaz de criar barreiras protetoras. E o fará novamente, caso Kida permaneça muito tempo junto a ele.

Milo e os outros partem em veículos voadores com a intenção de parar Rourke e Helga que pretendem escapar em um balão pela abertura do vulcão. A dupla de mercenário se desentende e Helga atira no balcão garantindo que não vá a lugar algum. Além da queda, o comandante precisa se ocupar com Milo que tenta libertar Kida de qualquer maneira. Thatch mostra toda sua coragem ao tentar fisicamente derrotar Rourke sabendo que não tem a menor chance.

“…num único dia e noite de infortúnio, a ilha de Atlantis desapareceu na profundezas do mar.”

Platão, 360 A.C.

Rourke se corta acidentalmente com o cristal e é destruído por seu poder incalculável. No entanto, isso não significa que a cidade está segura. A queda do balão fez com que o vulcão ficasse prestes a entrar em erupção. De volta ao centro de Atlântida, Kida dá vida às estátuas ao redor da cidade que se levantam e criam, mais uma vez, um campo de proteção que salva a todos.

Felizmente, Kida consegue retornar à sua forma normal. A cidade está a salvo e com o cristal na superfície tem sua prosperidade garantida. A princesa, agora rainha, enche os exploradores de dinheiro e os envia de volta. Exceto Milo que decide ficar, ele encontrou seu verdadeiro lugar. Na superfície, Whitmore recebe da equipe fotos e um cristal enviados por Milo, a prova que Whitmore tanto queria.

Alguns podem achar que o filme é muito sofisticado e complexo para o público infantil. Mas, de acordo com os próprios diretores e roteiristas, apenas os adultos se incomodam com detalhes não explicados minuciosamente. As crianças assimilam a história e embarcam no novo mundo com facilidade.

Além da trilha de Howard, o filme conta com a canção “Where The Dream Takes You“, escrita por Diane Warren e interpretada pela cantora Mya que toca durante os créditos. No Brasil, a música foi muito bem adaptada e passou a se chamar “Junto Com Teu Sonho” e foi cantada por Deborah Blando. Vale a pena conferir.

Os fãs de dublagem vivem um período de muita discussão, crescemos com excelente dubladores na ativa como Marcelo Coutinho e Garcia Júnior e temos dificuldade em aceitar novos profissionais, especialmente quando se tratam de celebridades. Atlantis: O Reino Perdido, no entanto, mostra que o fato de um ator ou atriz ser ou não famoso não faz diferença. O que importa é qualidade de sua atuação e a dedicação que coloca em trabalhar seu personagem.

Alguém reconheceu a voz por trá de nossas duas personagens femininas principais? Pois elas pertencem à Camila Pitanga e à Maitê Proença. As duas fizeram um excelente trabalho, principalmente Pitanga. No original, Milo foi feito por Michael J. Fox, o eterno Marty McFly de De Volta Para o Futuro.

Atlantis: O Reino Perdido teve um baixo retorno financeiro para os estúdios, o que significa que não rendeu frutos como brinquedos e outros tipos de merchandising, mas foi indicado a vários prêmios e até mesmo conseguiu uma sequência em 2003, feita diretamente para home vídeo, Atlantis: O Retorno de Milo.

Os críticos, no geral, não gostaram da obra. Julgarem o roteiro raso, medíocre, e sem público-alvo bem definido. E isso não é verdade. O público-alvo eram os amantes de aventuras clássicas como A Ilha do Tesouro e 20000 Léguas Submarinas. No entanto, esse é um grupo formado principalmente por adultos e, infelizmente, as animações continuam sendo vistas como entretenimento infantil. O filme não falhou por não conseguir atingir as crianças tão bem quanto os vendedores de brinquedos gostariam. O marketing sim, errou quando se esqueceu de atrair também aqueles que acompanham crianças.

Para mim, é impossível analisar essa animação deixando a nostalgia de lado. Era muito jovem quando o filme foi lançado e fiquei completamente encantada. Saí do cinema querendo viver uma aventura imediatamente na esperança de encontrar algo tão mágico quanto o reino de Kida. Me atrevo a dizer que o efeito será o mesmo nas crianças e adultos que assistirem ou reverem a obra.

Atlantis: O Reino Perdido tem uma história fantástica e cheia de excelentes personagens, a trilha de Howard se encaixa com a arte de Mignola e o clima de aventura somado ao uso da tecnologia para contar a história deixariam Walt Disney orgulhoso.

Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.

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