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Clássicos na Crítica | Tarzan

“Tenha fé em tudo que acredita. Dois mundos distintos são. Deixa o seu destino agir, guiar seu coração. O paraíso sem igual, num mundo cheio de amor. Viver assim traz tanta paz.”

Dois Mundos

O clássico escolhido esse mês para estrelar a coluna foi Tarzan (1999), a trigésima sétima animação do Walt Disney Animation Studios, que encerrou o período conhecido como Renascença Disney, iniciado em 1989 por A Pequena Sereia. É válido lembrar que o texto a seguir está recheado de SPOILERS! Para os Camundongos que nunca assistiram ao filme ou desejam revê-lo, ele está disponível no serviço Netflix, dublado e legendado.

Qualquer uma das duas versões de áudio que você escolher não irá desapontar. Tarzan é mais um exemplo que atores famosos por trabalhos televisivos podem realizar um trabalho excelente no mundo da dublagem. Eduardo Moscovis empresta sua voz para Tarzan, enquanto a atriz Suely Franco dá vida à Kala. Além disso, grandes dubladores profissionais estão envolvidos como Miriam Ficher, Leonardo José e Dário de Castro. Prontos para embarcar nessa aventura?

Tarzan é mais um filme ideal para aqueles que estão cansados da fórmula de “filmes de princesa Disney”. O roteiro foi baseado diretamente no livro “Tarzan of the Apes” (“Tarzan dos Símios“, em uma tradução livre), escrito em 1914 pelo americano Edgar Rice Burroughs, criador de outros personagens famosos como John Carter.

“Quando começamos a estudar o livro, nos perguntamos ‘O que queremos dizer que é diferente do que os outros filmes sobre Tarzan já disseram?’ Uma das coisas que pensamos que podíamos fazer, que é muito relevante atualmente, é explorar a ideia de família. O que consiste uma família? São aqueles que se parecem com você ou aqueles que você ama?”

Kevin Lima

Na época, o livro se tornou um best-seller e rendeu mais de vinte e quatro continuações e quase cinquenta filmes. Na verdade, Tarzan é o segundo personagem mais adaptado para os cinemas, perdendo apenas para o vampiro Drácula, de Bram Stoker. Os estúdios Disney então se viram em um grande dilema, o que poderiam trazer de diferente para a versão animada? O que poderiam acrescentar a uma história adaptada tantas e tantas vezes?

A difícil tarefa de recontar esse mito ficou nas mãos dos diretores Kevin Lima (Encantada) e Chris Buck (Frozen: Uma Aventura Congelante). Tab Murphy (Atlantis: O Reino Perdido) ficou encarregado de escrever as primeiras versões do roteiro de Tarzan, o casal Noni White e Bob Tzudiker (Anastasia) adicionou carga emocional ao filme além de definir as características dos personagens. E, por fim, o escritor Dave Reynolds (A Nova Onda do Imperador) se uniu ao grupo para inserir comédia à história.

Antes de aceitar participar do projeto, Kevin Lima leu a obra original de Burroughs e, enquanto o fazia, imaginou a cena marcante de duas mãos se tocando. Ele visualizou um Tarzan que busca sua identidade por se sentir diferente e deslocado em meio aos macacos e resolveu utilizar esse conceito para dar o tom da nova animação.

Para se diferenciar das adaptações prévias de Tarzan, a equipe decidiu que não iria apresentar um Tarzan irracional, sobrenaturalmente forte e cujo o único objetivo fosse despertar o interesse de uma americana bonita. Ao invés disso, ele seria introspectivo e sua evolução ao longo do filme seria baseada em aprender a lidar com o fato de ser adotado. A decisão de analisar a obra de Edgar por outro ângulo e manter a história focada em convivência familiar é o maior trunfo da versão Disney.

A animação começa colocando o espectador em plena ação. Assistimos ao navio que leva um casal e uma criança pegar fogo e naufragar. A primeira sequência de cenas é extremamente competente em contextualizar a história de maneira engajante. Em poucos minutos e com a ajuda de uma canção, conhecemos os dois núcleos do filme: a família humana que sobreviveu à tragédia e refez seu lar; e a família de gorilas que também possui um filhote.

O mundo das duas se cruzam quando ambas são atacadas pela leopardo Sabor e ficam incompletas. Os pais de Tarzan foram mortos pelo animal, bem como o filhote dos gorilas Kala e Kerchak. O trauma da perda de Kala faz com que ela encontre Tarzan ainda bebê, o proteja de Sabor e fuja com ele. Nesses primeiros minutos de filme também conseguimos saber qual o clima que a trilha sonora do filme tem a intenção de gerar.

A trilha espetacular de Tarzan foi criada pelo cantor britânico Phil Collins, encarregado de escrever as canções, e Mark Mancina, compositor das faixas instrumentais. Os dois trabalharam juntos todo o tempo para criar a trilha perfeita, que não distraísse o espectador mas o fizesse imergir ainda mais na trama. O resultado é de arrepiar. A escolha de um artista pop para criar uma trilha Disney que fugisse da fórmula tradicional lembrou muitos da parceria tão bem sucedida de Elton John e Hans Zimmer em O Rei Leão (1994). Collins voltou a trabalhar com os estúdios em Irmão Urso (2003).

Phil Collins gravou as versões finais da música em Francês, Italiano, Alemão, Espanhol e Inglês. Impressionante, não? Infelizmente, não o fez em Português. Mas os fãs podem ficar tranquilos porque a adaptação ficou em boas mãos. Ed Motta, cantor famoso que já havia trabalhado em O Corcunda de Notre Dame (1996), gravou as canções de toda a animação. O resultado ficou um primor, não devendo em nada para as versões originais graças às letras belamente adaptadas.

De volta a história… Kala leva o bebê até seu grupo, onde todos o estranham. Ela o mostra a Kerchak que o rejeita imediatamente. Aquela criatura estranha nunca substituirá seu filho que partiu. Esse será o fator que irá gerar conflitos até o final do filme. Empolgada por arranjar um novo filho após a morte do seu, Kala decide criá-lo sozinha e o nomeia Tarzan.

“Antes de ir até Uganda para observar os gorilas das montanhas, eu não conseguia entender como Tarzan podia ter tido problemas em deixar a floresta para ficar com Jane (…) Mas observar a família e gorilas em seu habitat natural me deu uma perspectiva totalmente nova. Eu fiquei impressionado com o amor que esses animais tem um pelo outro.”

Glen Keane

Os animais em Tarzan falam para melhor contar a história. Os diálogos existem para que nós, o público, possamos entender a trama. No entanto, eles não carregam características humanas em sua movimentação, o que acrescenta maturidade ao filme. Isso pode ser observado na maneira como eles andam, lutam e interagem entre si. Para que os animadores conseguissem dar vida à nova família de Tarzan de maneira verossímil, viajaram até a África, onde puderam observar os animais de perto e aprender sua rotina.

Com poucos minutos de intervalo entre um e outro, temos um novo número musical. Enquanto tenta acalmar Tarzan e fazê-lo dormir, Kala canta seus primeiros versos, mas logo a voz de Collins entra e a termina. A letra de “You’ll Be In My Heart” é tocante e rendeu ao filme vários prêmios de melhor música como o Academy Awards (Oscar) e o Globo de Ouro.

O tempo passa e Tarzan se torna um garoto desengonçado que ainda não se ajustou. Ele passa seu tempo tentando criar um som próprio e se metendo em encrencas com sua melhor amiga, Terk. A gorila foi inicialmente escrita para ser um menino, mas após a atriz Rosie O’Donnell arrasar em seu teste de voz, os diretores decidiram mudar.

“Kala, olhe pra ele. Ele nunca vai ser um de nós!”

Kerchak

Determinado dia, ela desafia Tarzan a provar sua coragem conseguindo um pelo de elefante. Desesperado por aceitação, ele topa o desafio e acaba quase se afogando e assustando todos os elefantes. Inclusive Tantor, um filhotinho medroso que irá se tornar seu amigo no futuro. Os elefantes, assustados, quase pisoteiam o grupo de gorilas, o que enfurece Kerchak. Ele mais uma vez lembra a todos que Tarzan é um estranho naquele mundo e que só causa problemas.

Kala tenta consolar Tarzan explicando que os dois são iguais por dentro. No entanto as diferenças são visíveis e a rejeição de Kerchak óbvia demais para não se perceber. Lembram-se da imagem que o diretor visualizou de mãos unidas? Ele utilizou a metáfora nesta cena e o resultado é um momento no qual todos sentimos pena de Tarzan, pois ele é só uma criança e não está pronto para aprender a ser diferente.

Descobrimos, assim, o objetivo de nosso herói: ser aceito pelo líder do grupo que claramente ocupa o papel de pai. Ele passará sua vida tentando se tornar o melhor gorila possível para impressionar Kerchak. A carga emocional dessa trama é imensa apesar de mascarada por humor e cores vibrantes.

“Quando eu assisti ao filme Disney foi muito empolgante finalmente ver os personagens de meu avô retratados como ele realmente os escreveu e descreveu em seus livros.”

Danton Burroughs, neto de Edgar Rice Burroughs

A música “Son of a Man” é utilizada para, de maneira empolgante, marcar a passagem de tempo durante o crescimento de Tarzan. Aliás, irão notar que quase todas as músicas do filme são usadas com esse intuito, de ajudar a história a ir para frente mesmo quando dias, meses, ou anos precisam passar. Após a canção, nos deparamos com um Tarzan adulto e que em suas ações demonstra ter se esforçado para ser tudo, menos humano. Ele aprendeu a sobreviver e a se locomover na selva observando outros animais.

Por isso, os animadores incorporaram em Tarzan movimentos de diversos animais. Assistam com atenção e irão reparar que Tarzan anda quase sempre apoiado em quatro membros e sobre suas juntas. Quando em pé, ele parece não saber como agir. Usa seus pés tão bem quanto as mãos e consegue utilizar o olfato de maneira apurada. Keane e seus animadores estudaram a fundo anatomia e garantiram que cada músculo em Tarzan estivesse colocado e funcionasse da maneira correta. Afinal, eles são as roupas de Tarzan.

Além disso. os artistas perceberam que as árvores cobertas de musgo seriam um bom meio de locomoção para Tarzan e o fizeram se movimentar sobre elas como um skatista, utilizando como referência o atleta Tony Hawk. Todas essas escolhas foram certeiras e criaram um Tarzan único. Nenhum outro meio, que não a animação, poderia ter permitido tal combinação de elementos.

Estudo de movimentos de Tarzan:

A equipe sentiu a necessidade de colocar Tarzan em um cenário imersivo, sem limitações de câmera ou movimentação. Mesmo com a evolução da tecnologia desde Branca de Neve e os Sete Anões (1937), não havia maneira de realizar o que estava na cabeça dos diretores. E então foi criado um novo software, o Deep Canvas. O programa permitiu a criação de cenários feitos por computação gráfica onde os personagens animados a lápis pudessem ser inseridos. Os artistas pintaram os cenários utilizando uma mesa digitalizadora ao invés de pincel e tinta. Uma vez que uma área menor fosse finalizada, o programa era capa de reproduzir as pinceladas em áreas maiores, poupando tempo.

A ferramenta rendeu aos estúdios indicações e ganho de prêmios técnicos como o Annie Awards. Também foi seu uso o responsável por Tarzan ter sido, até o lançamento de Planeta do Tesouro (2002), a animação mais cara já feita, custando cento e trinta milhões de dólares. Ufa, quanta informação! Hora de voltar…

Sabor retorna à trama, embora não seja mencionado seu nome. Ela ataca o grupo de gorilas quando estão desatentos e acaba ferindo Kerchak. Tarzan, agora adulto, tem a chance de se vingar, mesmo desconhecendo o passado do animal. A empolgante luta serve para mostrar todas as habilidades adquiridas por Tarzan e não causa um temor real no espectador. Afinal, ninguém espera que o herói morra após vinte minutos de filme.

Tarzan sai vitorioso do embate e ouvimos seu icônico grito pela primeira vez. Grito esse gravado por Brian Blessed, a voz original de Clayton. Ele oferece o corpo do animal a Kerchak e com isso nos lembra que ainda existe mágoa entre os dois. Será que agora ele é forte o bastante para ser aceito? O gorila não tem tempo de reagir, pois um tiro ao longe distrai os dois.

Tarzan segue o som e encontra um trio curioso de exploradores ingleses andando pela mata em busca de gorilas para estudar. Archimedes Porter é um velho professor que passou para sua filha sua curiosidade e amor pela exploração. Jane mantém a quase tradição de protagonistas Disney e tem somente o pai como família.

É uma jovem inteligente e curiosa que se distancia da imagem original do livro, onde é descrita como uma americana loira. Ela têm grandes e belos olhos, mas são suas imperfeições, como seus dentes avantajados, que a tornam mais real. Os dois são protegidos por Clayton, um personagem cujo design contrasta com o de Tarzan. Ele tem braços largos, barba por fazer, um bigode inspirado pelo ator Clark Gable e o temperamento explosivo.

“Para mim, Jane era realmente uma personagem inocente com muita energia e tendência a dizer o que vem na cabeça.”

Ken Duncan, animador de Jane

Jane se distancia do trio para desenhar um filhote de babuíno. Ele rouba seu caderno de desenhos e começa a chorar quando a jovem tenta pegá-lo de volta. Ela acaba sendo perseguida por um imenso bando de babuínos adultos e sobrevive apenas porque é salva por Tarzan. Durante toda a perseguição temos novamente uma amostra da força física de Tarzan e do uso do Deep Canvas. Os dois terminam sãos e salvos no topo de uma imensa árvore.

Na cena a seguir, temos o primeiro momento de real interação entre os dois. Tarzan está claramente curioso a respeito da moça que se mostra assustada. O momento no qual ele percebe que suas mãos se encaixam perfeitamente seu olhar para Jane é profundo e cheio de emoções, ele descobriu algo que o traz paz: não está sozinho. Keane é habilidoso lidando com anatomia e movimentação mas nada supera seu talento para animar cenas sutis e carregadas de significado. Ele se inspirou no nascimento de sua filha Claire para realizar a cena. Quando Tarzan olha para Jane, na verdade vemos Keane olhando sua filha pela primeira vez.

Jane mostra um pouco mais de sua personalidade no restante da cena, ela é falante e está tão cheia de perguntas quanto Tarzan. O resultado da vontade dos dois de se conhecerem é o clássico diálogo “Eu Jane, você Tarzan”. Precisamos usar nossa suspensão de descrença e ignorar o fato de Tarzan falar Inglês apesar de nunca ter tido contato com a língua inglesa. Afinal, ainda é um desenho. O momento dos dois é quebrado por um novo som de tiro.

Tarzan encontra Jane:

Animar é uma arte complexa por si só. Quando envolve casais, se torna uma tarefa ainda mais complicada para os animadores, pois precisam garantir que os tempos fiquem exatos na cenas nas quais os personagens interagem fisicamente. Imaginem agora a dificuldade em animar de diferentes continentes. Bem, foi isso o que a equipe fez. Enquanto Ken Duncan animava Jane nos estúdios da Califórnia, Glen Keane supervisionava uma equipe em Paris responsável por animar Tarzan.

Enquanto isso, Terk, Tantor e outros gorilas procuram por Tarzan e acabam encontrando o acampamento do Professor Porter vazio. Os animais se mostram com medo dos artefatos humanos em um primeiro momento, mas em seguida, ficam curiosos e começam a brincar com os instrumentos. Temos então uma nova sequência musical que, apesar de ter sido claramente feita apenas para entreter crianças, irá deixar a música em sua cabeça por muito tempo. Ah, repararam no easter-egg? O bule e a xícaras que vemos em cima da mesa são os mesmos de A Bela e a Fera (1991).

Tarzan ajuda Jane a voltar para o acampamento onde ela o vê interagindo com os gorilas de maneira natural e fica impressionada. Nesse momento temos a certeza de que as falas dos gorilas são apenas simbólicas, pois Jane nada ouve além de grunhidos. O barulho feito por Terk e seus amigos atraiu a atenção de Kerchak que em instantes surge e assusta Jane. Os gorilas partem levando Tarzan momentos antes de Clayton e o Prof. Porter chegarem e encontrarem Jane sozinha em um acampamento destruído. A moça narra eufórica a aventura que viveu e conta sobre o estranho que a salvou. Está visivelmente encantada por ele apesar de Clayton duvidar da veracidade de toda a história.

Enquanto isso, Kerchak proíbe todos os gorilas de se aproximarem dos humanos. Proibir o protagonista de se encontrar com um grupo ou alguém por medo é um artifício narrativo utilizado em diversos outros filmes Disney como A Pequena Sereia (1989) e Pocahontas (1995). E, assim como as heroínas desses filmes, Tarzan não está disposto a obedecer. Principalmente agora que sabe que não é o único de sua espécie. No dia seguinte, ele vai até o acampamento onde encontra os três exploradores. Prof. Porter acredita que aquele estranho seja o elo perdido e Clayton quer saber onde pode encontrar os gorilas. Por isso, decidem ensiná-lo a se comunicar.

A sequência de aprendizado de Tarzan é embalada por mais uma ótima música de Phil Collins, “Strangers Like Me”. Não é dito quanto tempo se passou, mas foi o suficiente para Tarzan aprender a falar, andar ereto, e ele e Jane se apaixonarem. Para que o filme funcione é necessário que o público acredite em amor à primeira vista, tarefa que não é difícil após acena do casal balançando nos cipós.

Os dois estão conhecendo um mundo novo um com o outro. Funcionam como negativos: ela é delicada e pequena; ele é bruto e forte. Mais uma vez o trabalho dos animadores funciona de forma sutil e eficiente. Notem como em quase todos os momentos nos quais Tarzan e Jane dividem cena, os olhos de Tarzan estão na jovem sem que ela perceba. Sempre de maneira terna, curiosa, encantada.

Após Tarzan aprender a se comunicar, ele descobre que dentro de alguns dias Jane irá partir e voltar à Inglaterra. Ela pede que ele volte com eles mas Tarzan recusa o convite depois de saber que nunca mais poderia ver sua família. Clayton o faz acreditar que se Jane encontrar os gorilas, ela desistirá de ir embora. Tarzan, então, concorda em levá-los até seu grupo mesmo sem a autorização de Kerchak. Para isso, ele pede a ajuda de Terk e Tantor para distrair o líder do grupo.

Quando o grupo chega onde os gorilas vivem, Jane e seu pai ficam fascinados e tentam interagir. Encontrar aquelas animais é o que eles sempre sonharam. Eles brincam com filhotes e Tarzan os ensina palavras no idioma dos gorilas. Tudo está calmo até Kerchak retornar e imediatamente se tornar agressivo. Ele tenta atacar Clayton e é impedido por Tarzan que o enfrenta para proteger o trio. Após Jane e os outros fugirem, Kerchak acusa Tarzan de ter traído sua família e pela primeira vez Tarzan não sabe o que fazer. Se aquele estranhos que não são bem-vindos são iguais a ele, a quem ele deve lealdade?

Kala percebe a confusão interna do filho e decide contar toda a verdade. Ela o leva até a casa da árvore onde ele encontra a fotografia de seus pais. Mais uma vez testemunhamos o trabalho de Glen Keane através do olhar de Tarzan carregado de confusão e sentimentos. Nenhuma frase de diálogo é necessária para que possamos entender as dúvidas do personagem. Ele fica alguns minutos sozinho e, por fim, se veste com as roupas do pai, indicando sua escolha de partir com Jane. Ele, finalmente, encontrou uma chance de ser aceito. Antes de partir, ele e Kala dividem um tocante momento, Tarzan deixa bem claro que ela sempre será sua família.

“Não importa onde eu for. Você será sempre minha mãe.”

Tarzan

Parte da questão proposta pelos diretores com seu roteiro é respondida nessa cena: família são as pessoas que te ajudam a crescer, e não, necessariamente aqueles que possuem o mesmo sangue que o seu. Os animais em Tarzan poderiam ser todos transformados em humanos e a história funcionaria com a mesma força e carga dramática.

No dia seguinte, Tarzan se une à Jane e a seu pai e embarcam no navio que os levará para a Inglaterra. Uma vez a bordo, Clayton revela ser o mau caráter que todos suspeitamos durante o filme. De fato, Clayton é um vilão extremamente bidimensional, é apenas um caçador sedento por dinheiro. Não há motivação maior para ele querer que os gorilas sejam capturados, e não, nos identificamos com ele sob nenhum aspecto. Esse é um dos poucos defeitos do filme, mas pode ser justificado se lembrarmos que o principal conflito da trama ocorre dentro de Tarzan, e Clayton serve apenas para externizá-lo.

Clayton e seus capangas prendem Tarzan, Jane e Prof. Porter no porão do navio e partem em busca da família de gorilas agora que sabem sua localização. Pela primeira vez Tarzan se culpa por não ter ouvido Kerchak. Nossos heróis são salvos momentos depois por Terk e Tantor bem a tempo de irem resgatar os gorilas. Durante o trajeto dentro da floresta, Tarzan se livra de suas roupas humanas, uma ação simbólica na qual ele indica não se identificar como humano mais do que se identificava como animal.

Durante o embate, humanos usam armas de fogo e garantem uma imensa vantagem. Mas babuínos e elefantes surgem para ajudar os gorilas e equilibrar a disputa. Em meio à luta, tentando atingir Kala, Clayton fere Kerchak e desperta fúria em Tarzan. Os dois se enfrentam em um embate físico que permite Tarzan conseguir pegar a arma de Clayton. Nosso herói escolhe não matá-lo, se provando mais civilizado e os dois levam a luta para o topo das árvores, em meio aos cipós.

Clayton se descontrola e acaba se enforcando. A cena muito lembra a morte de tantos outros vilões Disney, que caem de penhascos ou viram pó para sumirem sem que o herói precise efetivamente sujar as mãos. É um clímax fácil, rápido e seguro, mas apropriado para um filme que ainda tem como público-alvo crianças.

Após a luta, temos uma comovente cena. A resposta para todas as dúvidas de Tarzan. Kerchak está muito ferido e, sabendo que irá morrer, aceita Tarzan como seu filho. Nosso herói pod,e finalmente, ficar em paz sabendo onde pertence: ao lado de sua mãe, como novo líder do bando. Esse é outra pequena falha no roteiro.

Kerchak passou a vida sem aceitar Tarzan e resolve fazê-lo agora mesmo sabendo que a culpa de toda sua família ter passado perigo é dele. É, na minha opinião, uma mudança muito drástica e pouco trabalhada em tela. A cena parece ter a função de “passagem de coroa”, Tarzan se torna responsável pela tribo com direito a batidas no peito à la rugido de Simba.

O desfecho do filme é rápido e as cenas finais servem apenas para garantir que nosso casal ficará junto. Jane está prestes a partir quando seu pai a convence a ficar e diz que também permanecerá na ilha. Esse é o último elemento que parece não se encaixar em toda a trama. A moça nunca demonstrou vontade alguma de permanecer na África para sempre. Ela irá desistir de toda sua vida por uma pessoa que acabou de conhecer?

Cabe a nós, espectadores, preenchermos as lacunas para que a trama funcione. Talvez Jane sempre quisesse escapar da cidade grande? Talvez, também se sentisse deslocada lá? Ou talvez o amor por Tarzan seja maior do que nós podemos compreender. Ao som da reprise de “Two Worlds”, ela aparece com outra roupa mostrando que o tempo passou e ela se adaptou. E por fim ouvimos uma última vez o grito arrepiante de Tarzan.

Making of de Tarzan:

Após sua estréia, Tarzan faturou mais de 448 milhões de dólares em bilheteria em todo o mundo e rendeu duas sequências lançadas diretamente para home vídeo, Tarzan e Jane (2002) e Tarzan II (2005), além de uma série de televisão (2001 – 2003) e uma adaptação teatral para a Broadway, que ficou apenas um ano em cartaz, em 2006.

Tarzan representa um imenso avanço tecnológico e é artisticamente impecável. O roteiro do filme traz como proposta mostrar outros ângulos do clássico mito de Tarzan, e consegue. As poucas incoerências encontradas ao longo da trama só irão incomodar se você está assistindo à obra pela milésima vez. Caso contrário, é bem provável que a beleza em tela e as música as farão passar despercebidas. Tarzan é uma obra com temática envolvente onde a animação de Glen Keane e as músicas de Collins são os astros. Humor, romance e ação: estão todos presentes e irão garantir que crianças e adultos se divirtam juntos várias vezes.

Dizem que quando os estúdios Disney contam sua versão de uma história ela se torna definitiva e, me desculpe Edgar Burroughs, novamente isso aconteceu. Em minhas lembranças Tarzan será sempre um homem gentil que passou a vida tentado ser aceito por seu pai adotivo. O que acham desse clássico, Camundongos? Alguma cena favorita? Caso tenham se interessado pelos bastidores de Tarzan, não deixem de assistir ao Making Of completo da animação, logo acima.

Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.

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