Eu uso o necessário. Somente o necessário. O extraordinário é demais. Eu digo necessário. Somente o necessário. Por isso é que essa vida eu vivo em paz. Assim é que eu vivo e melhor não há. Eu só quero ter o que a vida me dá. Milhões de abelhas vão fazer. Fazer o mel pra eu comer. E se por acaso eu olhar pro chão, tem formigas em profusão. Então, prove uma.
~ Canção “Eu Uso o Necessário”
Se qualquer pessoa começar a cantar “Eu uso necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais.”, rapidamente sua mente reconhecerá a voz de Baloo e a música ficará grudada na sua cabeça por algumas horas. Afinal quem não ficaria? Com as músicas feitas pelos irmãos Sherman e Terry Gilkyson, o filme “Mogli – O Menino Lobo” (1967) é o décimo nono filme de animação bidimensional do Walt Disney Animation Studios, assim como do Clássicos na Crítica.
Marcado por ter sido o último filme supervisionado pessoalmente por Walt Disney, “Mogli – O Menino Lobo” é baseado no livro “The Jungle Book” de Rudyard Kipling e, assim como “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), “A Bela Adormecida” (1959), “Pinóquio” (1940) e entre outros clássicos da Disney, sua primeira cena é a apresentação do título do filme gravado em um livro que se abre, dando início à trilha sonora.
O filme conta a história de um garoto encontrado dentro de uma cesta de palha, no meio de uma floresta na Índia, por uma sábia pantera chamada Baguera. Ao perceber que a criança logo menos ficaria com fome, o animal levou a cesta para uma família de lobos que acabara de ter filhotes, para que a fêmea pudesse alimentar e cuidar da criança. Claro que a família acolheu o pequeno bebê, mas após alguns anos o tigre Shere Khan havia voltado para aquela área da floresta e o líder da matilha de lobos, Akela, decretou que Rama deveria tirar Mogli da floresta o mais rápido possível senão a matilha estaria correndo grande perigo caso protegessem o garoto.
Sem saber o que fazer, Rama não sabia para onde levá-lo e aí Baguera, que está sempre de ouvidos quando o assunto é referente ao Mogli entra em cena novamente para dizer que levaria o filhote de homem de volta a aldeia de homens mais próxima. No meio do caminho, Mogli e Baguera encontram com alguns outros animais como Kaa, a cobra que tenta devorá-los no meio da noite e a manada de elefantes, também conhecido com a patrulha da manhã e rei Louis e seus mecacos. Só que após o encontro com o Coronel Hatchi e seu exército, o filhote de homem e a pantera discutem sobre a relutância do menino em querer ficar na floresta, então Baguera se cansa da situação e deixa Mogli sozinho na floresta.
Alguns minutos depois, Mogli ouve um barulho da floresta e é surpreendido por um grande e simpático urso pardo chamado Baloo. O animal que estava apenas passando por lá, resolve descobrir o que era aquele pequeno menino e quando Mogli decide enfrentá-lo, Baloo sente pena do garoto e resolve ensiná-lo a lutar. Quando ele começa a pegar o jeito, Baguera escuta o som de grunhidos e achando que o filhote de homem está em perigo, corre atrás do som e quando percebe que é Baloo, volta a falar que irá levar o garoto de volta a aldeia de homens. Quando Mogli discorda pela terceira vez, pergunta a Baloo se pode ficar com ele e claro, o grande urso concorda e dá início a música mais conhecida do filme “Somente o Necessário”. A partir daí acontecem diversos eventos para Baguera, Mogli e Baloo, diversas músicas são tocadas e há um belo desfecho.
Antes de comentar as lições que podem retiradas, é necessário passar por alguns fatores mais técnicos do longa-metragem. Diferentemente dos filmes anteriores, “Mogli – O Menino Lobo” é considerado um filme chave e um tanto problemático para a Disney por diversas razões. Uma delas, no ponto de vista do entretenimento, é que possuem os personagens mais duradouros, basta olhar a nova peça que estreou em Chicago e o novo filme live-action misturado com animação que está sendo produzido, não por apenas um, mas por dois estúdios – o Walt Disney Studios e o Warner Bros.-. Muitos poderão não concordar, mas para que seja melhor entendido, vamos situá-los no contexto em que o filme foi produzido.
A Disney estava em uma época em que a animação sofreu uma queda, pois o clássico “101 Dálmatas” havia sido lançado em 1962 e tinha sido um grande sucesso, mas o sucessor “A Espada Era a Lei”, de 1963, não foi. Isso fez com que Walt Disney ficasse preocupado e, como a empresa estava ficando mais segmentada com os parques, as séries de TV e os live-actions, a animação não estava 100% sob o controle de Walt. Por conta disso, ele resolveu dar uma atenção maior a essa nova produção de Mogli. A principio os desenhos ficariam por conta do animador de longa data Bill Peet, mas após Walt ter visto a primeira versão dos desenhos, achou que estavam muitos pesados e obscuros. Sendo assim, ele demitiu Peet e, perfeccionista que sempre foi, Walt Disney começou a produção do zero. Ao dar o trabalho na mão de Larry Clemmons e um novo time de criativos, a primeira coisa dita por Disney foi que os desenhos fossem feitos sem que eles tivessem lido o livro de Rudyard Kipling.
Eles trabalharam em cima dos personagens que Bill Peet havia feito, porém com características mais alegres e vibrantes, o que resultou em seu fator duradouro. Além dos desenhos terem sido diferentes do que estava sendo nos anos anteriores, a música também foi diferente para “Mogli – O Menino Lobo”. Escrita por Terry Gilkyson, as músicas foram feitas antes mesmo do roteiro final estar pronto e esse era o segredo das grandes trilhas da Disney. Porém além das letras de Gilkyson, os irmãos Sherman – famosos pela criação das música de “Mary Poppins” (1964) que lhes renderam dois Oscars – criaram a trilha sonora instrumental como a “Marcha do Coronel Hatchi”. Só que na música “That’s What Friends Are For”, a ideia principal era que fosse cantado por um rinoceronte e os urubus em um ritmo mais rock ’n’ roll, mas queriam que a banda britânica The Beatles interpretassem as aves, o que claramente não deu certo e logo depois o rinoceronte foi retirado, pois Walt Disney achou que já tinha um grande número de animais.
Além de todo este contexto, o filme é considerado chave, pois infelizmente marca a morte de Walt Disney em 1966, quando o filme ainda estava em produção e isso fez com que o estúdio fechasse por somente um dia e dez meses depois, o filme foi lançado e então foi marcado seu sucesso.
Quanto a lição apresentada no filme, é possível interpretá-la através de um assunto bem comum nos dias de hoje que são as diferenças. Em momento algum você nota Baguera desistindo de Mogli ou de Baloo e vice-versa, pois não importa o quanto as atitudes de alguém podem te irritar de vez em quando, sua amizade vale mais que uma discussão. O zelo que você tem por alguém querido, seja da família ou não, vale qualquer sacrifício e na vida, sempre precisaremos de alguém ao nosso lado, muitas vezes nos identificaremos mais do que com outras pessoas, como quando Mogli encontra a menina perto da aldeia de homens, e através disso poderemos nos rodear de pessoas incríveis, cada um com sua diferença que afinal, o que nos faz especial.
A Disney , na maioria de suas histórias, fez da amizade um fator muito importante para o sucesso de qualquer personagem, sempre foi necessário a ajuda de seus amigos para alcançar o resultado desejado e no caso de “Mogli – O Menino Lobo” há um grande foco não somente na amizade como fator do sucesso, mas como você deve se preocupar com seus amigos, pensando no que é melhor para eles e se impondo quando necessário.
O filme possui uma pegada boa de sarcasmo com uma certa inocência, o que faz com que o filme não seja entediante para um jovem e/ou adulto, mas possui músicas que atraem os olhos das crianças. O enredo faz com que pessoas consigam assistir o filme de maneira tranquila, sem deixar muitas dúvidas sobre os personagens, inclusive sobre seu passado, pois deixa claro que o passado não interfere nos acontecimentos futuros. De resto, “Mogli – O Menino Lobo” possui uma animação bem diferente, se observada de modo cronológico, que faz com que você não fique “acomodado” na estrutura comum dos filmes da Disney. É um filme fácil de ser assistido, que capta rapidamente a atenção da criança, mas que capta também a atenção dos adultos por ser algo que foge da programação infantil atual que insiste no conceito “politicamente correto”.