O produtor Peter Del Vecho é um grande fã da magia da animação, tanto a tradicional quanto a digital, o que é notório pelos seus créditos no Walt Disney Animation Studios. E pode-se dizer que ele também é praticamente um mágico, após ter sido contratado para produzir A PRINCESA E O SAPO (THE PRINCESS AND THE FROG), o novo lançamento do estúdio que marca o retorno à tradição Disney de animação 2-D feita à mão. Como o estúdio havia desativado a sua linha de produção em 2-D devido ao aumento da popularidade da animação computadorizada, Del Vecho viu-se encarregado não só de produzir A PRINCESA E O SAPO, mas também remontar toda a estrutura de apoio para o filme. Em vez de simplesmente ressuscitar a velha linha de produção, o produtor procurou maneiras mais eficazes de realizar as tarefas do método tradicional de animação à mão. E a estrutura resultante transforma um velho axioma, uma vez que, aparentemente, você pode não só reinventar a roda, como também aperfeiçoá-la.
P: E como você se envolveu no projeto?
Bem, tudo começou quando John Lasseter foi nomeado diretor-geral de criação. Ele levou todos os produtores para jantar e disse que queria resgatar a animação feita à mão, pois acreditava no meio. Ele também achava que já era hora de os estúdios Disney produzirem outro musical. E, para isso, ele também iria trazer de volta a dupla de diretores John Musker e Ron Clements. disneymania.com.br
Como eu já trabalhei com Ron e John em vários filmes, quando eles me chamaram para produzir A PRINCESA E O SAPO, achei fácil dizer “sim”, sobretudo porque eu gostava muito do trabalho da dupla de diretores. E, embora eu tenha passado a animar filmes em 3-D, eu fiquei empolgado em poder ajudar o estúdio a ressuscitar a animação 2-D. A animação feita à mão tinha praticamente desaparecido, as pranchetas tinham sido vendidas, literalmente – e toda a linha de produção tinha sido desativada. Então, foi preciso montar um estúdio inteiro praticamente do zero de novo, o que foi uma das coisas que me atraiu no projeto. Mas, sobretudo, foi a minha relação com Ron e John e a confiança que eles têm em mim que me atraíram ao projeto. [Del Vecho havia trabalhado com eles em Hércules e Planeta do Tesouro.]
P: Qual é a história de A PRINCESA E O SAPO?
A PRINCESA E O SAPO é a história de Tiana, uma futura princesa que é uma jovem batalhadora, cujos pais lhe transmitiram um grande senso ético e sempre lhe disseram que é ótimo sonhar e pedir às estrelas que realizem os seus desejos, mas que apenas isso não é suficiente. Você também precisa batalhar pelos seus sonhos. Seu pai compartilha com ela a paixão pela culinária e o sonho de montar o próprio restaurante. Para eles, a comida aproxima as pessoas e põe um sorriso no rosto delas. Tiana cozinha muito bem e quando o pai morre, ela decide realizar o sonho de abrir o restaurante, por ela mesma e como uma homenagem à memória do pai. Mas, para isso, ela trabalha tanto que até se esquece de se divertir. É aí que nós conhecemos o príncipe Naveen. O príncipe Naveen vem de uma situação diametralmente oposta à dela. Ele é um príncipe despreocupado, que não se importa em esbanjar seu dinheiro e só se preocupa com o momento presente e não é muito responsável. Na verdade, os pais dele cortaram toda a sua ajuda financeira. E, obviamente, um tem muito a aprender com o outro. Ela aprende com ele como se divertir, relaxar e curtir o momento. E ele aprende com ela o que é batalhar por um ideal e assumir responsabilidades. Juntos, eles acabam formando um ótimo casal, mas, de início, são polos opostos.
P: Fale sobre Tiana.
Tiana é uma jovem batalhadora e pragmática. Embora acreditasse em contos de fadas quando era pequena, ela passou dessa fase. Ao contrário da sua amiga Charlotte, que nunca deixou de acreditar nos contos de fadas e sempre sonhou em se casar com um príncipe, a última coisa que Tiana pensa é encontrar um homem desse momento da sua vida ou sem se tornar uma princesa. Ela está focada demais no trabalho, mas acaba sendo surpreendida pelo amor e descobrindo que ela pode ter ambas as coisas. Ela poder ter um uma carreira e um ótimo companheiro. disneymania.com.br
P: E o príncipe Naveen?
O príncipe Naveen, um bon vivant, nunca trabalhou um só dia na vida e tem tudo de mão beijada até que os pais, finalmente, cortam sua ajuda financeira, pois ele tem sido um irresponsável. Ele vai para Nova Orleans porque adora jazz e quer conhecer o lugar que serviu de berço para esse estilo de música. Quando ele chega a Nova Orleans, ele vagueia pelas ruas, fazendo uma imersão na atmosfera local. Mas ele tem um problema. Como não é mais sustentado pelos pais, ele não tem dinheiro, então, decide se casar com Charlotte LaBouff, a filha do homem mais rico das Louisiana. Esse é o seu objetivo original, quanto o objetivo de Tiana é montar seu restaurante. Por isso, quando viram sapos, eles decidem trabalhar juntos. Se ela o ajudar a voltar para Nova Orleans e a recuperar a sua forma humana, ela a ajudará a abrir seu restaurante. Obviamente, nessa altura, Tiana não sabe que ele, na verdade, não tem um centavo.
P: A magia tem dois lados em Nova Orleans, representados pelo dr. Facilier e por Mama Odie.
Sim. Facilier é o nosso vilão Disney clássico, que usa a magia para conseguir o que ele quer. Ele é sedutor e carismático, mas se aproveita dos turistas, gente que não sabe quem ele é, atraindo-os ao seu covil. Ele seduz as pessoas com promessas e até as cumpre, mas não exatamente do jeito que a pessoa espera. Por ser mais malandro, ele as manipula. Facilier consegue o que quer e a pessoa, em troca, nunca consegue exatamente o que queria. Mama Odie, por outro lado, é a nossa fada madrinha dos pântanos. Ela pratica um vudu do bem. Ela representa a bondade e a luz, enquanto Facilier vive nas sombras e nas trevas. Ela acha que as pessoas estão sempre procurando o que querem, mas nunca se preocupam em parar e pensar naquilo de que precisam. Ela tem um papel fundamental no redirecionamento de Naveen e Tiana no filme, embora Tiana não entenda realmente o que Mama Odie diz até o fim do filme. Naveen, por sua vez, começa a entender logo logo. Basicamente, Mama Odie representa a bondade, enquanto Facilier é o nosso arqui-inimigo.
P: Na melhor tradição Disney, temos dois coadjuvantes divertidos.
É verdade. Louis, o jacaré, aprendeu a tocar jazz no trompete só de ouvi-lo nos barcos que circulam pelos pântanos. E quando ele encontrou um trompete que acabou indo parar às margens do bayou, ele aprendeu sozinho a tocar o instrumento. Seu sonho, seu objetivo, é tocar jazz com grandes músicos. O problema, claro, é que sendo um jacaré, todo mundo tem medo dele. Então, ele toca seu trompete no bayou, mas não tem ninguém lá para ouvi-lo. Quando ele conhece Tiana e Naveen, transformados em sapos e à procura de Mama Odie, ele decide acompanhá-los, na esperança de que Mama Odie encontre um jeito de transformá-lo num ser humano, para que ele possa fazer o que sempre quis – isto é, tocar jazz com os grandes nomes de Nova Orleans.
Ray é o nosso vaga-lume cajun apaixonado. Ele não é lá muito atraente, mas tem um coração enorme. Na verdade, além de ser um dos personagens cômicos do filme, ele é responsável por muitos momentos comoventes e românticos no filme. Ele é o primeiro a perceber que Tiana e Naveen foram feitos um para o outro, bem antes que eles próprios se deem conta disso, e acaba bancando uma espécie de casamenteiro. Ele tem um ótimo número musical no filme que ajuda a reunir o casal, e Ray tem um papel crucial fazendo os sonhos se realizarem no final. disneymania.com.br
P: O que tornou este projeto especial para você?
Puxa, são tantas coisas. Primeiramente, eu trabalhei em musicais do teatro por muito tempo, então, adoro o gênero musical, pois sinto que os musicais despertam emoções de um modo diferente de qualquer outro gênero. Acho que musicais e filmes de princesas formam uma combinação extremamente poderosa. Obviamente, o retorno à animação feita à mão tem um lugar muito especial no meu coração. Quando vejo um animador rabiscar sobre uma folha de papel; depois, esses traços se transformam no desenho de um personagem; então, por fim, esses personagens começam a se movimentar na tela; e, aos poucos, você esquece que são apenas um monte de desenhos a lápis, você realmente vê o personagem ganhar vida; e até esquece que está assistindo a um filme animado — para mim, essa é a maior glória desse tipo de mídia. E é algo que me dá inveja. Eu não sou um artista nesse sentido, mas eu sempre invejei aqueles que são capazes de fazer isso. E a paixão de todos os envolvidos na realização desse projeto é realmente única. Eu já trabalhei em muitos filmes, mas neste, há muita paixão, porque todo mundo sabe o que está em risco. Eles querem contar uma grande história. Querem fazer o melhor trabalho que já fizeram para o retorno da animação feita à mão.
P: Por que essa história se presta a ser contada no meio da animação 2-D feita à mão?
Bom, primeiramente, ela nos permite criar uma Tiana, a nossa nova princesa, à altura das princesas dos demais filmes. E estamos produzindo o filme no mesmo tipo de mídia, para que o efeito seja o mesmo, com a mesma admiração causada pelos outros filmes, então, ele é bem adequado ao gênero. Uma segundas razão é o nível de caricatura que você pode produzir em 2-D, sobretudo com os seus personagens cômicos. Quero dizer, temos o Louis, que num momento é covarde, no outro, apavorante, e logo depois, está cantando e tocando o trompete. Ele é um jacaré com peso e volume, porém, ao mesmo tempo, é um bicho inquieto e irresistível que salta das telas. Para mim, não que isso não seja possível em 3-D, mas acho que há algo de especial no 2-D que permite isso. Nós também adoramos a textura e a vitalidade dos cenários pintados à mão. Na definição da direção de arte do filme, optamos por uma abordagem não literal dos nossos cenários. Não procuramos recriar um mundo realista, apesar de criarmos um mundo convincente. Queríamos criar o bayou não literalmente, mas a sensação do bayou, ou a sensação de estarmos num beco escuro com Facilier. Então, é tudo uma questão de foco e de onde eliminamos ou acrescentamos detalhes, e o jeito com que trabalhamos isso tem uma ótima expressão nesse meio.
P: Elabore em mais detalhes, por favor. Descreva como você acha que o cenário se presta ao filme? Você falou em eliminar detalhes e se concentrar nas sensações. Como isso influenciou a estética desse cenário em particular? Como isso definiu a estética de Nova Orleans e a sensação que a cidade transmite?
Bom, vamos usar o pântano como exemplo. O bayou tem água, árvores, todo o tipo de vegetação, muita profundidade. Em determinados momentos, os pântanos podem ser apavorantes; em outros, um lugar romântico e maravilhoso. A fim de criarmos essas sensações, decidimos onde acrescentaremos detalhes e onde nos concentraremos nos personagens, deixando esses detalhes de lado. E, como eu disse, se você analisar os cenários com cuidado, eles lembram muito os de Bambi. Em Bambi, não pintaram toda uma floresta. Eles também pintaram algo que transmitia a sensação de estarmos numa floresta. Mesmo assim, se você perguntar a qualquer um que assistiu ao filme, eles dirão, ah, claro, era passado numa floresta, exuberante, linda e cheia de detalhes. Estimulamos a imaginação das pessoas. E outra coisa que aprendemos é que tem alguma coisa nos filmes em 2-D que faz com que os espectadores colaborem conosco através das sua imaginação. Basicamente, nós pedimos a eles que sintam como seria e então, preencham todas as lacunas. E tem alguma coisa nesse processo de fazer com que o público participe do filme que os transforma em nossos parceiros e os envolve nos filmes produzidos nesse tipo de mídia.
P: O que a colaboração de Ron e John acrescenta ao projeto?
Bem, Ron e John já criaram filmes como Aladdin e A Pequena Sereia e sabem produzir esses filmes. Eles são incansáveis. Mas, mais importante, eles trabalham bem juntos e formam uma parceria excelente. Noutras palavras, todo mundo gosta de trabalhar com Ron e John no filme, porque eles incluem todo mundo no processo. Os animadores têm todas a liberdade de oferecer sugestões. Os diretores de arte também. Eles estão sempre estimulando novas idéias e aproveitam as melhores. E eu já trabalhei com vários diretores, mas eles são provavelmente os diretores mais generosos com quem eu já trabalhei.
P: E como John Lasseter se encaixa nessa equação?
John lutou pela volta da animação feita à mão. John deu todo o seu apoio ao filme, desde o início. Ele é um artista e nunca pensa nele mesmo nem impõe sua opinião pessoal. Para ele, o que importa é: “Como podemos tornar o filme ainda melhor?” Ron, John e eu trabalhamos diariamente no filme, e ajuda muito quando o John vem conferir o trabalho uma vez por semana ou, às vezes, duas vezes por semana, pois ele tem uma visão diferente do filme como um todo. Ele nos propõe desafios e também nos dá direção. Ele confia no talento do Ron e do John, mas também manifesta claramente as suas opiniões. Ele tem um padrão de exigência muito alto. E eu sei que o filme é melhor por conta do seu envolvimento. disneymania.com.br
P: E o que o envolvimento de Randy Newman trouxe?
Primeiramente, a mãe do Randy é de Nova Orleans e ele passou uma boa parte da vida dele, sobretudo os verões, em Nova Orleans. Então, ele adora toda essa mistura do jazz com zydeco e blues, e transpôs essa musicalidade para o projeto. E uma vez que estamos produzindo um musical norte-americano, também era importante, nesse caso, escolhermos um compositor norte-americano. Ele também compôs a trilha instrumental do filme, após já ter composto algumas das melhores trilhas para filmes live-action. Mas ele nunca havia feito um musical inteiro antes. E mesmo tendo sido um grande desafio para ele, ele se superou e produziu uma das sua melhores obras.
P: Como você acha que A PRINCESA E O SAPO dá continuidade ao rico legado da animação Disney? Como o filme se insere num panorama mais amplo?
Bem, nós criamos Tiana para se colocar em igualdade com as demais princesas Disney e para dar continuidade a esse legado. E nós achamos que ela tem o seu próprio valor, mas também se equipara a todas as outras princesas que criamos. Mas eu também acho que ela é uma princesa de uma era moderna. Ela não está à procura de um homem para salvá-la de alguma coisa. Ela tem uma idéia clara do que quer na vida e está disposta a batalhar por isso. Mas ela também acaba descobrindo que não há nada de errado em ter as duas coisas na vida… mas ela não é salva por um homem. Acho que essa é a maior diferença. Ela não está em apuros no começo da história. Ela enfrenta obstáculos – como todas as outras princesas – que precisa superar ou que lhe são impostos, mas ela não precisa ser salva. disneymania.com.br
P: E por ser um filme passado num cenário tão norte-americano, com uma cultura tão norte-americana, como você acha que o público internacional o receberá?
Você sabe, Nova Orleans é uma cidade única – se você pegar uma pessoa e levá-la a Nova Orleans, ela poderia apostar que está numa cidade européia. Ela tem uma atmosfera europeia. Também é um lugar com uma enorme diversidade cultural. Quero dizer, a cidade atraiu pessoas de todo o mundo. Na verdade, foi assim que surgiu o jazz, pois grupos de pessoas diferentes tocavam a música dos seus respectivos países, nas suas varandas, até que esses estilos acabaram por se fundir num novo estilo musical. Esse era o ponto que compartilhavam em comum e o jazz evoluiu partir de toda essa diversidade. Então, eu acho que há elementos suficientes no filme para que todos sejam capazes de se identificar com ele, a despeito do lugar onde ele se passa. E trata-se de uma história sobre a natureza humana, o que transcende todos os cenários e fronteiras.