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Especial Disney Legends: Glean Keane

 

Sempre quando vimos um longa metragem de animação, seja ela tradicional, computadorizada ou em stop-motion, sequer temos noção do enorme e exaustivo trabalho realizado em prol desses filmes. Por detrás de cada cena, personagem, cenário ou composição musical há um grande número de talentos que dão um duro danado para atingir os melhores resultados possíveis, muitos deles beirando à perfeição.

São cálculos, esboços, improvisações, estudos, observações, aprimoramentos, artes conceituais, filmagens, experiências, testes, edições, pressão, inspirações, habilidade com as tecnologias mais avançadas, entre muitas outras coisas… Enfim, sejam compositores, artistas ou animadores, todos são verdadeiros profissionais que merecem e muito o nosso respeito, e em estúdios de animação como a Walt Disney Pictures muitos deles acabam transformando-se em verdadeiras lendas imortais do ramo. Este segundo artigo de nossa série trata-se sobre uma dessas lendas, cujo talento e grandes trabalhos , não só no campo da animação, são admirados e reconhecidos por públicos de todo o mundo, e certamente por inúmeras gerações! Estamos falando do grande mestre Glen Keane!

Glen Keane nasceu no dia 13 de abril do ano de 1954, na cidade de Philadelphia, nos EUA. O interesse pelo universo dos desenhos começou desde cedo na infância, quando o futuro mestre observava os trabalhos do pai, o renomado cartunista Bill Keane (famoso pelo cartum “The Family Circus”, cujo personagem Bill foi inspirado por nada menos que Glen quando criança.). Depois de tantas observações, o pequeno Glen logo deu início aos seus primeiros esboços e, vendo suas tentativas, seu pai o presenteou com um exemplar de “Dynamic Anatomy”, um estudo da anatomia humana do ilustrador Burne Hogarth, e o ensinou a analisar as formas do corpo e a fazer uma abordagem criativa ao representar a realidade numa folha de papel. Mal sabia ele que isso era apenas o começo…

Mais tarde, após o ensino médio, ele já estava na CalArts ( Instituto de Artes da Califórnia), mas apesar de estar inserido no campo das artes, os interesses de Glen Keane eram outros… Acredite se quiser, mas o que ele realmente queria fazer era jogar futebol em outra universidade, aceitando, desse modo, uma bolsa de estudos pelo esporte. Mas por ironia da sorte o seu pedido de admissão foi acidentalmente enviado, justamente, para o Programa de Animação Experimental (na época chamado Gráficos de Cinema), ou seja, por pouco o cinema não perdeu um artista para os campos…  Se sua reação perante a tal descuido foi positiva ou não, não sabemos, mas o fato é que enfim Glen Keane começou seus estudos como futuro animador e teve como mentor o renomado professor de animação Jules Engel (que inclusive trabalhou no segmento da “Suíte Quebra-Nozes” presente em “Fantasia” e em algumas sequências de “Bambi”).

Mas você deve estar se perguntando: e a Disney? Quando ela vai entrar nessa história? Ora, a CalArts foi fundada por ninguém menos que sirWalt Disney e, portanto, não deve ser surpresa o fato de que ao deixar o instituto em 1974, o jovem talento uniu-se ao estúdio assim como vários outros novos profissionais que chegavam para substituir os antigos veteranos que já começavam a se aposentar. Seus primeiros trabalhos na Disney foram a animação da jovem Penny e do supersticioso Bernardo no Clássico “Bernardo e Bianca” (“The Rescuers”), ao lado do grande Ollie Johnston, e do dragão Elliott em “Meu Amigo, o Dragão” (“Pete’s Dragon”), ambos lançados em 1977, sendo que foi nessa época que o artista desposou Linda Hesselroth, com a qual teria dois filhos, Max KeaneClaire Keane (nome familiar, não acha?).

Mas foi em “O Cão e a Raposa” (“The Fox and the Hound”), de 1981, que todo o talento de Glen Keane começou a desabrochar de vez, no caso ele foi responsável pelo célebre clímax da luta contra o (assustador) urso.

 

Imagens (algumas disponíveis para ampliação):

 

Ao sentir que os storyboards originais não transmitiam a emoção necessária para a cena, ele decidiu refaze-los completamente e ainda com o uso de carvão, o que não foi possível devido a problemas no orçamento. O resultado foi uma das melhores sequências de todo o filme, proporcionando-lhe assim um maior prestígio e respeito perante o estúdio.

 

 

E assim chegamos à década de 80, tempos em que a animação computadorizada enfim dava seus primeiros passos, e talvez muitos não saibam mas Glen Keane começou a se envolver com o CGI desde essa época, e mais, em companhia de ninguém menos do que John Lasseter, futuro chefe criativo da Pixar Animation Studios . Inspirados pelo recente filme “Tron”, os dois resolveram trabalhar num teste de animação (de 30 segundos) que consistia na união de personagens animadas tradicionalmente interagindo com cenários feitos por computador.

Este teste tratava-se de uma adaptação do livro infantil “Where the Wild Things Are” do escritor Maurice Sendak e tudo financiado, claro, pelo executivo Tom Willhite. Porém, apesar de ousado e promissor, o projeto provou ser muito caro e a Disney não estava disposta a investir tanto em apenas um curta (embora o teste tenha contribuído muito com o desenvolvimento do CGI, sendo o precursor do programa que mais tarde seria responsável pelo belíssimo visual da cena do baile em “A Bela e a Fera”). Abaixo você confere os resultados obtidos por eles e mais alguns detalhes da produção:

 

“Where the Wild Things Are”:

Mais à frente, Glen Keane deixou o estúdio temporariamente, trabalhando como um artista independente no fracassado “O Caldeirão Mágico” (“The Black Cauldron”, de 1985), no design de Gurgi e da princesa Eilonwy, e em “As Peripécias do Ratinho Detetive” (“The Great Mouse Detective”, de 1986), como supervisor da animação do vilão Professor Ratagão (além de participar da produção de um filme da série “Alvin & os Esquilos”).

 

Teste de animação (Ratagão):

 

 

 

Mas, para a felicidade geral da Disney, o mestre em formação enfim retornou ao estúdio, encarregando-se da animação de algumas personagens em “Oliver e sua Turma” (“Oliver & Company”, de 1988), e a partir deste longa foi promovido de vez para o cargo de diretor de personagens animadas, tendo como primeiro trabalho a majestosa águia Marahute de “Bernardo e Bianca: Na Terra dos Cangurus” (“The Rescuers Down Under”, de 1990).

 

Oliver e sua Turma

 

Teste de animação (Fagin):

 

Marahute

 

E é aí que chegamos à melhor parte dessa história!

Foi mais ou menos nessa época que Glen Keane recebeu a visita de dois jovens diretores, John MuskerRon Clements. Eles o chamaram para trabalhar em seu mais novo longa metragem, no caso uma adaptação de um renomado conto de fadas publicado por Hans Christian Andersen, sobre uma jovem sereia que se apaixona por um príncipe humano: “A Pequena Sereia” (“The Little Mermaid”, lançado em 1989).

Os dois ofereceram-lhe a animação da vilã da história, Úrsula a terrível bruxa do mar, já que Keane de uma certa forma havia adquirido uma “experiência” com vilões mais “peso-pesados” (vide Ratagão e o urso). No entanto, ele protestou! Não queria animar vilã coisa nenhuma! Queria animar a protagonista do filme: Ariel! A reação dos diretores?

 

“Você sabe desenhar garotas bonitas?”


 

Ariel é uma das protagonista femininas mais famosas criadas por Keane e o seu primeiro trabalho de grande repercussão em todo o mundo, já que estamos falando do filme que marcou a “renascença” definitiva não só dos Clássicos Disney, mas de todo o gênero! Para a animação da simpática e corajosa sereiazinha, ele contou com a parceria do animador Mark Henn (que mais tarde seria responsável por Bela, Jasmim, Mulan entre outras personagens) mais a atriz e escritora Sherri Stoner que serviu de modelo real para auxiliar a equipe na criação dos movimentos de Ariel, atuando diversas cenas do longa submergida num grande tanque (posteriormente, ela também seria modelo de referência para Bela).

Segundo recente depoimento do artista: “Cada personagem tem tocado em alguma parte real de minha vida. Acho que Ariel era realmente a personagem que abriu meu coração, essa conexão em mim para animar personagens que acreditam que o impossível é possível. (…)”

 

 

Talvez muitos não saibam mas Glen Keane também foi um dos principais responsáveis pela sequência “Part of Your World” ainda estar presente no filme. Mas como assim? Bem, numa pré-exibição do filme, durante a cena uma criança ficou nervosa a ponto de derrubar o saco de pipoca no chão, o que para Jeffrey Katzemberg, chefe do departamento de animação da época, foi um mal sinal e por isso ele resolveu cortá-la do filme, para o horror de toda a equipe que já havia trabalhado tanto na sequência, incluindo o próprio Keane. Não conformado, ele insistiu e insistiu tanto que Katzemberg acabou poupando a cena que viria a se tornar uma das mais belas e inspiradas de todo o longa.

 

 

Após o grande sucesso de “A Pequena Sereia”, a Disney já preparava-se para outro grande conto de fadas que, assim como seu Clássico antecessor, iria determinar novos rumos e avanços para a animação! Não poderíamos estar falando de nenhum outro filme senão “A Bela e a Fera” (“Beauty and the Beast”, de 1991), onde o renomado animador iria apresentar ao mundo uma das suas maiores e inesquecíveis criações: Fera.

Fera acabou sendo um grande desafio aos talentos do artista: não só pelo monstro em si mas também em como mostrar que por detrás de tão terrível aparência existia a alma desesperada de um príncipe humano. Segundo ele: “Nunca houve anteriormente outro personagem como Fera, portanto não tínhamos nenhuma fonte de inspiração à qual recorrer. Comecei a criar Fera tentando entender quem a personagem era em seu âmago. Ele é um homem preso entre dois mundos. É metade animal e metade humano, mas não se sente à vontade em nenhum dos dois papéis. Seu desenho precisava demonstrar seu lado humano – suas emoções, sua afetividade e sua capacidade de amar. Seu lado animal feroz e selvagem precisava deixar claro sua força descomunal e sua agilidade. Eu pensava em todas essas coisas enquanto trabalhava até chegar à forma final do seu desenho. O que me ajudou no processo foram minhas inúmeras visitas ao zoológico, o estudo de vídeos da National Geographic e a análise de animais empalhados.”

Chegando até a comprar a cabeça empalhada de um búfalo e pendurá-la no meio da sala (após convencer a esposa, claro) para obter maior inspiração, Keane chegou enfim à fera perfeita com a barba e a cabeça de um búfalo, a juba de um leão, a testa de um gorila, presas de javalis, o corpo de um urso e as pernas e a cauda de um lobo.

 

 

Mas e a alma? Onde encontrar algum vestígio de humanidade em tal criatura? A resposta de Keane estava nos olhos.“Para mim, o centro da emoção de um personagem está nas sobrancelhas e nos olhos. Eles são a janela para a alma. A única coisa que eu não mencionei em todos os aspectos da concepção foi que os olhos são a impressão de alguém que está preso dentro da Fera”.

E a cada vez mais em que trabalhava na personagem, ele conhecia um pouco mais de sua personalidade tão complexa: “Na minha mente, existiam na verdade três Feras diferentes. Havia a Fera completamente selvagem e feroz que enfrenta um bando de lobos e se movimenta sobre suas quatro patas. Havia a Fera cômica, que é um homem frustrado consigo mesmo, tentando controlar seu temperamento. Eu me inspirei em Jackie Gleason, enquanto desenhava o personagem com os olhos um pouco mais esbugalhados. E, finalmente, há a Fera sincera, que se comove e expressa suas emoções, quase a exemplo do Homem Elefante. Essa complexidade exigiu ainda mais sensibilidade no modo como nós o desenhávamos.”

 

 

Embora não pudesse contar com um modelo real, tal como Ariel, Glen Keane contou com o profundo desempenho vocal de Robby Benson como inspiração. “Ele foi, sem dúvida alguma, o melhor ator que testamos e seu desempenho realmente nos ajudou a dar os contornos emocionais necessários à personagem. Mesmo com sua voz rica, grave e melodiosa, ele soava como um rapaz de 20 anos dentro do corpo daquela fera, pelo qual Bela seria capaz de se apaixonar.” Outro grande desafio foi apresentar a personagem de modo convincente a todos, como um verdadeiro animal. Um bom exemplo é a cena em que Fera recebe a notícia de que Bela não irá descer para o jantar e perde completamente o controle. Originalmente, o roteiro pedia que ele subisse as escadas furioso, mas Keane percebeu que um animal de fato iria mesmo era correr com suas quatro patas e saltar dos degraus ao patamar, exatamente o que acabou sendo feito.

Por mais irônico que isso possa ser, Fera acabou se tornando uma das personagens mais humanas já vistas em um Clássico Disney e talvez um dos principais motivos pelo qual o filme foi tão reconhecido pelo público e pela crítica na época (chegando a receber a indicação ao Oscar de Melhor Filme). Um trabalho pelo qual o grande mestre sempre será lembrado (e se quiser saber mais sobre as impressões e experiências de Glen Keane, confira esta entrevista, em inglês, do portal Animated Views mais este artigo publicado pelo Disney Mania na época do lançamento da Edição Diamante de “A Bela e a Fera”!).

 

Teste de Animação (Fera):

 

E do conto de fadas europeu vamos às Mil e Uma Noites, no caso o grande sucesso “Aladdin”, lançado em 1992, no qual o nosso mestre foi encarregado da animação de ninguém menos que o protagonista homônimo (seu 3º protagonista dentre 5). Segundo ele: “Um dos desafios com o Aladdin foi como não cair no estereótipo do herói. Achei que seria interessante se ele não fosse o alto, musculoso, típico herói, mas se fosse um cara baixinho”.

 

 

O problema é que ao mesmo tempo os animadores de Jasmim já finalizavam os seus últimos traços e comparando os esboços de cada um, Jeffrey Katzemberg percebeu que ambos não formavam um casal muito convincente, já que a princesa parecia bem mais velha do que Aladdin (tal como uma garota de 18 anos ao lado de um jovem de 14). Por isso, Glen Keane teve de refazê-lo para uma maior harmonia entre os dois, e para tal trabalho Katzemberg sugeriu que ele se inspirasse no ator Tom Cruise. O resultado não poderia ter sido melhor:

 

 

Com a indicação ao Oscar de Melhor Filme para “A Bela e a Fera”, Jeffrey Katzenberg decidiu investir na produção de um filme mais adulto que pudesse enfim levar a tão cobiçada estatueta e o longa que se encaixava perfeitamente às suas ambições era “Pocahontas: O Encontro de Dois Mundos”, já em produção na época, que, em decorrência desses objetivos, acabou sendo remodelado para uma história mais séria e madura (o que inclusive fez com que perdesse grande parte de cenas cômicas e até de algumas personagens, entre outras alterações). E para tal ambicioso projeto, o nosso mestre foi convocado para a animação daquela que seria a sua segunda mais famosa protagonista feminina: a espirituosa Pocahontas.

Para quem já havia animado sereias e feras, aparentemente tal trabalho não apresentaria muitas dificuldades, mas engana-se quem pensa dessa forma. Segundo o próprio Glen Keane: “Nós nunca antes havíamos feito uma história baseada em alguém que realmente caminhou e viveu aqui na Terra. Todos as outras foram baseadas em contos-de-fada e histórias imaginárias. Esta aqui é real”. Além disso Pocahontas era uma protagonista diferente, com uma maior maturidade em relação às suas antecessoras. Se Ariel, Bela e Jasmim eram adolescentes, Pocahontas já é uma mulher de fato.

Em busca de inspiração, Keane viajou para a própria Jamestown, na Virgínia, durante os estágios iniciais de produção. Ele visitou cada canto da floresta imaginando como seria se de fato a real Pocahontas tivesse se encontrado com John Smith naquele mesmo local no passado. Além disso, ele e outros artistas também se basearam em ilustrações e aquarelas retratando indígenas da época feitas por exploradores como Jacques Le Moyne de Morgues e John White. A atriz Irene Berdad serviu de modelo real para a animação da personagem, quando era filmada gravando os diálogos da mesma para que os animadores pudessem captar seus movimentos e expressões.

 

 

Glen Keane também foi responsável por algumas sequências do filme, como por exemplo a criação dos storyboards da cena em que Pocahontas e John Smith se encontram na cachoeira, com o uso de carvão, ideal para cenas de maior emoção. O artista não sentia-se confortável pelo fato dela originalmente ter sido composta com diálogos. “O que eles diriam um para o outro?”, era a perguntava que martelava em sua cabeça até ele lembrar-se de quando conheceu sua esposa na fila de um cinema, quando subitamente viu-se apaixonado à primeira vista e destinado a ter um futuro com ela. E no final das contas, foi esse tipo de “choque” que acabou sendo transmitido à formidável sequência.

Os desenhos em carvão de Keane também serviram de inspiração para o visual da rápida cena onde Pocahontas e John Smith surgem do vento em “Colors of the Wind”. E uma curiosidade: a primeira sequência da personagem animada por ele é quando Pocahontas corre pela floresta após ter encontrado Smith na cachoeira; apesar de ter sido apenas uma animação teste os diretores gostaram tanto dela que a acabaram inserindo no filme.

 

 

Mesmo não tendo conseguido todo o sucesso planejado por Katzenberg (e muito menos a indicação ao Oscar de Melhor Filme), “Pocahontas” (lançado em 1995) é lembrado por todos pela sua história matura e tocante e, entre vários outros méritos, pelos incríveis resultados obtidos por todos os animadores (talvez essa seja uma das animações mais realistas já criadas em um Clássico Disney), especialmente os de Glen Keane cujo carisma e espirituosidade transmitidos à Pocahontas faz dela outra de suas maiores criações no estúdio!

 

 

“Uma lenda imortal. Do jeito que você sempre a imaginou”

Em 1999 a Disney enfim lançava aos cinemas a sua adaptação da famosa obra de Edgar Rice Burroughs“Tarzan”. O ambicioso (e caro) longa-metragem acabou se tornando um grande sucesso na época (o último filme bem-sucedido dos anos áureos da década de 90) além de ter trazido novos avanços técnicos ao gênero, como por exemplo o programa Deep Canvas responsável pelos belíssimos e meticulosamente detalhados cenários das selvas africanas (feitos por computador, mas pintados no mesmo estilo das animações tradicionais). Entre os vários elementos de destaque presentes no Clássico, temos a animação de seu valoroso protagonista, Tarzan, cuja supervisão não poderia ter ficado a cargo de nenhum outro animador a não ser Glen Keane (sim! Você adivinhou!)!

Desde as origens do projeto, foi decidido que um dos principais enfoques do filme seria a relação entre Tarzan e sua família de gorilas e o conflito interno em que a personagem passa ao descobrir outros mundos além do seu, e ainda por cima compostos por pessoas iguais a ele. Para tentar entender o que se passava na cabeça do homem das selvas, Keane novamente viajou, mas desta vez rumo a Uganda na África em companhia de seu filho. Segundo ele: “Antes de eu ir para Uganda observar os gorilas da montanha, eu não conseguia entender como Tarzan entraria em conflito com a idéia de deixar a selva para ficar com Jane. Dada a escolha entre esses gorilas e esta bela garota, essa não parecia uma decisão muito difícil. Mas assistindo uma família de gorilas em seu habitat natural me deu uma perspectiva totalmente nova. Eu fiquei intrigado com o amor que essas criaturas têm um pelos outros. Eles viviam nesse belo paraíso e havia algo maravilhoso sobre estar sob a proteção deste grande gorila. A vida era simples e divertida. Eu mesmo não queria ir embora.”

Para o visual de Tarzan, Keane contou com a ajuda de um professor de anatomia humana já que nesse caso teria de fazer uma representação mais fiel dos músculos do corpo humano. Ele também inspirou-se em estátuas, monumentos e até em gorilas de verdade.

 

Esboços da personagem (ao vivo) I:

 

Esboços da personagem (ao vivo) II:

 

 

Outro objetivo da animação de Tarzan era representá-lo fielmente à personagem criada por Burroughs, ou seja, dotada de movimentos de gorilas, leopardos, serpentes entre outros animais das selvas; para tal finalidade foram criadas as cenas em que Tarzan “surfa” entre as árvores ou mostra várias de suas “habilidades”. “Você mataria um ator que tentasse fazer as coisas que nosso Tarzan animado faz. Esse é um personagem que só poderia ser realizado do modo que Burroughs o imaginou em animação”. Para o “surf” de Tarzan nas selvas, Keane buscou inspiração vendo  seu filho praticando snowboardskateboard, e daí substituindo as calçadas pelas árvores, fazendo-o escorregar pelo musgo e agarrar-se aos cipós, com as mãos ou com os pés.

 

Teste de animação com o Deep Canvas (Tarzan):

 

 

Além dos esportes radicais, outra inspiração para o mestre foram as suas próprias experiências pessoais, como na cena em que Tarzan conhece Jane e olha fixamente para ela. No caso Keane lembrou-se de quando segurou pela primeira vez a sua filha em seus braços, da emoção que tomou conta dele ao ver-se naquela criança, como se fosse o seu reflexo, assim como Tarzan se sente ao ver pela primeira vez alguém igual a ele. Outra curiosidade, é que enquanto o artista cuidava da animação de Tarzan nos estúdios de Paris, na França, Jane era animada pelo animador Ken Duncan nos estúdios da Califórnia, nos EUA. Ambas as equipes comunicavam-se por teleconferências.

 

 

E assim chegamos à primeira década do conturbado século XXI, um período tanto cheio de avanços para a animação computadorizada quanto cheio de problemas para a animação tradicional (ocidental, claro!), e Glen Keane talvez foi um dos que mais sentiram essa mudança. Ele trabalhou na animação do cyborg John Silver de “Planeta do Tesouro” (“Treasure Planet”, de 2002), adaptação futurística do livro “A Ilha do Tesouro” de Robert Louis Stevenson.

Em relação ao design de John Silver, quando perguntado se havia inspirado-se nas adaptações cinematográficas anteriores da obra, Keane afirma que não gostava de observar retratos anteriores da personagem, para “limpar sua mente de estereótipos”, embora tenha baseado-se no ator Wallace Berry para os movimentos de fala de Silver, já que“amava esse jeito por causa da maneira como ele falava com o canto de sua boca.”


Sem dúvidas uma das maiores proezas conquistadas pelo animador foi a perfeita união entre a animação tradicional com a qual estava mais acostumado com a animação CGI, esta última utilizada para o braço mecânico do cyborg, o que sem dúvidas é um dos pontos mais altos do filme. Apesar de ser bem elogiado pela crítica,“Planeta do Tesouro” acabou não se dando muito bem com os números, chegando a dar um prejuízo muito grande ao estúdio, o que afetaria não só o destino do 2D na Disney, como também de uma certa forma um projeto em que Glen Keane estava trabalhando já fazia um bom tempo…

Desde meados da década de 90, ele começou a se envolver com um novo projeto, um famoso conto de fadas publicado originalmente pelos Irmãos Grimm: a história de Rapunzel, a princesa dos longos cabelos cor de mel. Só que desta vez, ele não era o supervisor de alguma personagem animada específica ou de alguma sequência, agora era a vez de Keane embarcar como diretor de uma grande produção. “Enquanto eu estava trabalhando em Tarzan, eu estava, simultaneamente, desenvolvendo “Rapunzel”. Esta história capturava o meu desejo de animar personagens que têm esse sonho queimando dentro delas para fazer o que parece ser impossível. Eu fui atraído para a história por causa do que eu imaginava ser a natureza irreprimível de Rapunzel.”

No entanto, o processo de criação de “Rapunzel” acabou sendo um dos mais turbulentos de todo o estúdio, tamanho o número de mudanças pelo qual ele passou durante quase uma década inteira. De um conto de fadas típico, passou a ser uma sátira a lá “Shrek”, protagonizada por um casal de nova iorquinos e intitulada “Rapunzel Unbraided” – algo do tipo “Rapunzel Destrançada”, para em seguida novamente ter uma sinopse mais fiel ao conto original.

 

Teste de animação (“Rapunzel Destrançada”):

 

Prólogo (“Rapunzel Destrançada”):

 

 

Mas o filme não sofreu apenas mudanças de roteiro, mas também mudanças de formato: de um longa metragem animado manualmente para uma animação em CGI devido ao fechamento do departamento de animação 2D após a série de fracassos de bilheteria vistos no começo da década, e também pelos planos mais ousados que Keane tinha em mente em relação a alguns elementos do longa, como por exemplo a animação dos vastos cabelos da protagonista.

Aos poucos o projeto, agora nomeado “Rapunzel” foi tomando forma, inclusive agora com John Lasseter como chefe criativo da Walt Disney Pictures que aprovou com êxito o primeiro ato concluído pelo novo diretor e sua equipe. Porém, eis que surge a bomba: Glen Keane acabou retirando-se da direção do filme devido a problemas de saúde, embora segundo as más línguas na verdade ele teria sido dispensado por Lasseter que não teria aprovado os últimos resultados obtidos por ele, mais o ritmo em que o projeto estava avançando. Com isso, coube aos novatos Byron HowardNathan Greno assumirem a direção do filme (mais tarde rebatizado de “Tangled” – no Brasil “Enrolados”), embora Keane ainda permanecesse como produtor executivo e diretor de animação, além de contribuir com a história e com a animação de algumas personagens, como a própria Rapunzel:

 

 

Um dos objetivos de Glen Keane desde quando foi decidido que o filme seria em CGI, foi trazer ao universo das animações computadorizadas o espírito presente nas animações feitas à mão e foi isso que ele quis trazer a sua equipe de novos animadores. “Gosto de viver na pele dos personagens que eu animo. Acho que o lápis é a mais íntima ligação ao meu coração em termos de comunicação com o que está dentro. Há artistas que hoje não desenham com o lápis tradicional. Em vez disso, expressam-se com um lápis muito mais caro, um computador. (…) Pessoalmente eu prefiro desenhar com o lápis, mas optei por ficar no meio do mundo do computador e usar tudo ao meu alcance para tornar o computador um artista mais amigável. “Tangled” é um resultado desses esforços.”

Outro grande desafio para a equipe de animação supervisionada pelo mestre era os cabelos mais do que longos de Rapunzel, o que de fato se mostrava um verdadeiro pesadelo. Segundo ele: “Os cabelos de Rapunzel eram de 70 metros de comprimento;  140 mil fios de cabelo. Animar e controlar milhares de cabelos foi em alguns momentos como pastorear mil gatos. O cabelo, muitas vezes explode em uma confusão caótica de fortes pixels que saltam uns contra os outros e se dirigem em sua própria direção. O verdadeiro milagre neste filme foi Kelly Ward, uma engenheira de software, especialista em cabelos gerados por computação. Ela criou um software, durante seis anos, sobre como controlar este monstro gigantesco. Nós realmente tratamos o cabelo como uma outra personagem. Eu fiz muitos desenhos para descrever a aparência estética dos cabelos, o ritmo, toque, volume, etc, que precisava ser incorporada no animação do cabelo. O desenho tornou-se novamente a melhor ferramenta para comunicar ideias. Uma imagem vale mais que mil palavras. Mas descobri que a criatividade não está limitada a lápis. Kelly provou que o domínio dos números e equações também pode ser muito criativo.”

 

 

Sobre sua equipe ele ainda diz: “Os melhores momentos para mim foram trabalhar com os animadores em ajudá-los a cavar fundo e encontrar algo real dentro de seus próprios corações para colocar em suas personagens animadas. Foi muito gratificante ver as pessoas realmente responderem com risos e lágrimas e saber que eu tinha contribuído em incentivar essa nova geração de animadores para desfrutar o que eu tenho apreciado na minha própria carreira. Amém!”

Pode-se dizer que depois de tantos anos de produção e aprimoramentos, os resultados não poderiam ter sido melhores! “Enrolados”, lançado em 2010, acabou sendo muito bem recebido pela crítica e pelo público, dentre vários motivos pela sua impecável e realista animação (inclusive dos cabelos), que, tal qual Keane planejava, conseguiu unir de fato todos os sofisticados recursos do CGI com a alma presente nos Clássicos 2D do estúdio! (e se quiser saber mais sobre as impressões e depoimentos dele em relação ao filme, leia esta entrevista publicada pelo Ultimate Disney!)

 

Como Desenhar Rapunzel:

 

 

Porém, não é apenas no campo da animação em que Keane atuou durante toda a sua carreira! O mestre também é autor de várias outras ilustrações, muitas delas apresentadas em exposições, além de ser o autor e ilustrador de parábolas bíblicas para crianças, com personagens representadas por animais (como por exemplo, Adão Guaxinim). Confira algumas destas outras obras abaixo:

 

 

Enfim, chegamos ao final deste especial, mas não ao final desta história! Glen Keane ainda tem muito o que apresentar ao universo das artes nesses próximos anos, embora talvez não exatamente na Disney. Segundo recentes rumores, ele parecia estar interessado em migrar rumo à Dream Works, devido ao futuro incerto que as animações do estúdio possuem (assim como também por causa dos possíveis impasses ocorridos na produção de “Enrolados”). Embora não tenha comentado nada a respeito, o artista já deixou bem o claro o quanto fará questão de uma maior liberdade para seus trabalhos posteriores.

De qualquer forma, seja na Dream Works ou na Walt Disney PicturesGlen Keane firma-se como um dos maiores mestres de animação, pelas suas criações inesquecíveis e impecáveis, das quais sempre será lembrado e querido por todos. Pois o que vimos nada mais foi do que a trajetória de um artista nato, desde seus primeiros esboços feitos quando observava o pai até a supervisão de novos animadores para a animação de uma princesa de longos cabelos mágicos.

Ao mestre, uma salva de palmas! “Bravo, bravo!”

E se caso os esboços e ilustrações presentes neste especial chamaram a sua atenção, você pode conferir essas e muitas outras obras do artista no blog The Art of Glen Keane!

 

Sinceros agradecimentos aos sites Animatoons, The Art of Disney AnimationCantinho DisneyWikipédiaAnimatoons Movies Disneypedia!

 

Escrito por Luís Fernando

"Tupi or not tupi! That is the question..."