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ESPECIAL: Entrevista com Maria Alice Barreto

Tem várias curiosidades e muita simpatia na entrevista com Maria Alice Barreto, dubladora de personagens clássicas como Branca de Neve e Bela Adomecida da Disney!

Olá, pessoal. Aqui é o Nicolas Marlon, antigo dono do blog Trilhas Sonoras Disney, acredito que já visitaram o mesmo. Há algum tempo tive a honra de entrar para a equipe do Disney Mania, mas como tive pouco tempo livre e o pouco que eu tinha usava para atualizar o Trilhas Sonoras Disney, acabei me afastando daqui.

Agora que meu Blog cumpriu sua missão e chegou ao seu fim, apesar de ter sído algo que me pegou de surpresa, assim como pegou a todos os leitores, sei que preciso continuar e que não vou parar de ficar por dentro e de divulgar o mundo Disney apenas devido ao fato de o Trilhas Sonoras Disney ter acabado.

Bem, sem mais delongas… durante um tempo estarei aqui no Disney Mania colaborando com matérias que estavam em meu último Blog, sempre campeãs de comentários por lá e que sei que não podem simplesmente desaparecer assim como aconteceu com o Trilhas Sonoras Disney, infelizmente.

Por isso, venho compartilhar esta entrevista que fiz com a queridíssima Maria Alice Barreto, dubladora de Aurora em A Bela Adormecida (1959), Branca de Neve (1960) e Prenda de 101 Dálmatas(1961). Sim, Branca de Neve e os Sete Anões já tem 71 anos, é de 1939, mas o trabalho que Maria Alice fez foi uma redublagem.

Enfim, se você ainda não leu, sei que vai amar esta entrevista com a voz mais marcante da Disney, com certeza. Se já leu, veja novamente e relembre esta pessoa incrível que foi Maria Alice Barreto, falecida dia 28 de Setembro de 2010, menos de um mês após conceder esta entrevista.

NICOLAS: Você passou por um teste antes de fazer a dublagem de A BELA ADORMECIDA, que foi sua primeira, claro. Como era este teste? Já havia material do filme para praticar?

MARIA ALICE: Sim, passei por um teste rigoroso junto com mais umas vinte atrizes da época. Além de rádio atriz eu era também secretária do Fernando Lobo, muito amigo do Aluisio de Oliveira, que iria dirigir a dublagem do filme. Ele, Fernando, perguntou se eu queria fazer o teste e se sabia dublar. Não sabia mas topei a experiência. Minha estratégia foi a seguinte: não lembro bem a hora mas, digamos que meu teste seria ás 19 horas, então às 15 horas eu já estava lá, olhando os testes das outras e quando chegou a minha vez já tinha decorado as falas e sabia exatamente onde coloca-las na boca da Aurora. Eu sou uma boa atriz mas, juro, não sei se fiquei com o papel por mérito ou se foi o Aloisio que era muito amigo do Fernando. Prefiro pensar na primeira hipótese. Naquele tempo as dublagens eram feitas basicamente em São Paulo. Alguns filmes eram dublados num estúdio em São Cristovão que não cheguei a conhecer. Após dublar a Bela adormecida, fui chamada para dublar na Herbert Richers que estava começando na rua Senador Dantas. Lá era tudo ainda muito primitivo, tipo assim, o projetor era movido a carvão e volta e meia tínhamos que parar para o projecionista (vovô, como nós o chamávamos) abastecer o projetor. Os loops ou anéis, como dizem os paulistas, eram enormes e a tela, após aparecer uma bola, abria já na fala do ator ou atriz, então a gente tinha que contar e pegar o bonde andando. Um filme de longa metragem levava dias pra ser dublado.

NICOLAS: A direção das dublagens no estúdio era muito rigorosa? Tudo tinha que sair perfeito? E a Disney, mantinha um certo controle de qualidade, o próprio Walt Disney adorava o Brasil, sabe se na época ele já chegou a vir para cá para checar o andamento destes trabalhos?
MARIA ALICE: Os diretores tentavam ser rigorosos… mas quase todos eram colegas de rádio e nós éramos muito disciplinados, tentávamos sempre fazer o melhor. Então, embora cansados e muitas vezes sem dormir, a coisa fluia muito bem e nos divertíamos muito. Não sei se Disney veio ao Brasil mas nos três filmes que dublei como protagonista, quem cuidava desta parte era Mr. Jim, que escolhia o elenco e gostou da minha voz, tanto que nos filme 101 Dálmatas fui escalada por ele, sem teste.
NICOLAS: Naquela época os dubladores faziam as gravações todos juntos, diferente de hoje em dia, com a era digital. O clima entre vocês no estúdio era bom?
MARIA ALICE: Não era bom, era maravilhoso , sinto saudades daquela muvuca dentro e fora dos estúdios, onde às vezes, tinhamos 15, 20 pessoas, todos falando quase ao mesmo tempo no famoso “vozério”. Assim mesmo, como chamavamos o vozerio. Não havia inveja, ninguém era melhor que o o outro. Claro, eu a Angela Bonatti disputávamos o título de melhor dubladora, mas acho que ela era a melhor, tanto que está lá até hoje como diretora. Digamos que eu era a vice e vice não é nada, né?

NICOLAS: Branca de Neve e os Sete Anões foi em 1937 uma das primeiras dublagens feitas no mundo e a primeira no Brasil. Dalva de Oliveira, a Estrela Dalva, dublava Branca de Neve nos diálogos. Agora, mais de 75 anos depois, ouvimos sua voz pois ele foi redublado e ficou com você este papel de ouro. Ninguém praticamente lembra da dublagem original, a sua voz é a que está gravada na memória de milhões de brasileiros. Lembra se houve algum motivo pelo qual o filme foi redublado, sabia que estava substituindo Dalva e imaginava que este seria seu grande marco na história da dublagem brasileira!
MARIA ALICE: Eu sabia que era uma redublagem, sim, mas era outra época, outro tipo de interpretação e, acredito, que hoje seria diferente.

NICOLAS: Tanto Aurora quanto Branca de Neve cantavam nos filmes. Você era cantora? Muitos se questionam porque você não foi quem cantou as canções dos filmes.


MARIA ALICE
: Sim, eu cantava, mas acho que não saberia nem tinha voz para ambas, porque meu forte era Bossa Nova, Noel Rosa, Vadico, etc. Fui cantora de noite e crooner de orquestra, mas sempre com MPB. Enfim, quem sabe daria conta do recado? Nunca saberei.

NICOLAS: Das três grandes dublagens que fez qual é até hoje a sua favorita, a que mais gostou de fazer? E lembra de ter participado de outra, mesmo que num papel pequeno?


MARIA ALICE
: Gostei das tres, mas a maior recordação é da Prenda pois meu grande amigo Domingos Martins dublou o pai dos cachorrinhos e ele morreu num acidente logo após a mesma. Em 101 Dálmatas eu também dublei um dos filhotes (eu era muito boa “fazendo” voz de criança, embora fosse contra o Disney que não aceitava adulto dublando crianças.) Fiz outros desenhos, sim, mas longas eram raras naquele tempo.

NICOLAS: Quando os filmes sairam nos cinemas, você ia assistí-los e sentia orgulho por sua voz estar em sincronia com aquele telão? -Se você ia assistí-los, como eram as estréias ou exibições de um filme Disney no Brasil naquela época.
MARIA ALICE: As estréias era sem badalação, sem entrevistas e sem convites especiais. Orgulho eu sentia mas sempre achava algum defeito, achando que poderia fazer melhor.

NICOLAS: Sente saudades de fazer dublagens?
MARIA ALICE: Sinto muita saudade, mas meu consolo é que fiz muita coisa boa também pra TV, vivi meu tempo com intensidade e hoje, tenho certeza, teria algumas decepções. Prefiro o passado. Não que seja saudosista, não é isso. É que minha vida como atriz e dubladora foi repleta de momentos maravilhosos que hoje, com a pressa e a velocidade que tudo ocorre, não seria possível. Aproveito para agradecer o seu interesse e dar parabéns pelo site maravilhoso que você criou. (antigo Trilhas Sonoras Disney)

Você deixou um legado, Maria Alice! Sua voz está há mais de 50 anos na memória de milhões de brasileiros e continuará pelos próximos 50, 100, 200 anos! Cada vez mais a Disney mantém estes tesouros que fazem parte do maravilhoso arquivo da dublagem brasileira. Imaginem vocês que ela vivia muito próximo a mim, sou de Blumenau, SC e ela vivia em Florianópolis. Eu tinha planos de conhecê-la pessoalmente perto do final deste ano, mas não foi possível.
Ao menos consegui conversar com Maria Alice por telefone, em seu aniversário, alguns dias após a entrevista e a sensação de ouvir a voz de Branca de Neve falando comigo é inexplicável (continuava igual). Uma recordação que vou levar para o resto da vida, assim como frases como “Vocês lavam a louça… vocês tiram a poeira! Vocês limpam a lareira… e eu sou a varredeira!”

Escrito por Nicolas Marlon