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Especial | Família Dinossauros

 

Foi no início da década de 90 que a Disney começou a negociar a compra da Jim Henson Productions, criadora dos Muppets. E a primeira coisa que o chefe Jim Henson mostrou para os novos parceiros foi sua ideia de fazer uma sitcom estrelada por dinossauros. Ficou combinado que a Disney financiaria a série e escalaria os produtores para cuidar dela, enquanto a companhia de Henson criaria os bonecos e cenários.

Mas Henson acabou falecendo em maio de 1990, antes de assinar o acordo e dar forma ao projeto. A Disney já tinha se comprometido contratualmente a fazer a série, porém a família de Henson resolveu não vender mais a empresa – daí as negociações se complicaram e teve início uma batalha na justiça. Mas eles acabaram entrando num acordo com relação à série. “Este programa é tão grande, tão ambicioso, que a Disney é provavelmente a única companhia com a qual nós poderíamos ter feito esta parceria,” disse Brian Henson, que ficou no comando da Jim Henson Productions após a morte de seu pai. “Mesmo durante os problemas de negociação, nós dizíamos, ‘Não podemos deixar isso afetar Família Dinossauros.'”

 

 

Família Dinossauros, um dos programas de TV mais populares dos anos 90, estreou na ABC em abril de 1991, apresentando Dino da Silva Sauro, um megalossauro que trabalhava derrubando árvores para a empresa “Isso É Assim”. Casado com Fran, a personagem mais sensata da série, tinha três filhos: Bobbie, um contestador rapaz de 15 anos; Charlene, garota esperta e consumista; e Baby, cuja grande diversão era encher o saco de Dino com o bordão “Não é a mamãe!”. Coadjuvantes como Roy, Sr. Richfield e a sogra Zilda ajudavam a criar as situações bizarras vividas pela família.

O que mais chama atenção na série até hoje com certeza é a perfeição visual alcançada através dos animatrônicos, tecnologia que envolvia manipulação eletrônica e atores fantasiados. Um sistema computadorizado bolado por Jim Henson permitia que cada personagem tivesse entre 30 e 50 expressões faciais. “Eu diria que este é o programa mais difícil de produzir na televisão,” disse Ted Harbert, então vice-presidente executivo do horário nobre da ABC. “É simplesmente ridículo. É quase impossível.” A Jim Henson Productions já tinha usado método parecido para criar os personagens de filmes como os das Tartarugas Ninja, mas agora tinha alcançado uma sofisticação sem precedentes.

Uma pessoa ficava dentro da fantasia de dinossauro, movendo os membros do personagem, enquanto outra controlava eletronicamente os movimentos faciais. Fora do cenário, o manipulador de bonecos Mak Wilson mexia suas mãos para ativar cada um dos 30 pequenos motores implantados na cabeça de Dino e assim operar sua boca, olhos e expressões. Agitando os dedos da sua mão direita dentro da luva mecânica, ele fazia os lábios de Dino ondularem. Mexendo a sua mão esquerda ele fazia a boca de Dino produzir um “Ffff”, e mexendo a mão direita tinha-se um “Ohhh.” Inclinando a mão para baixo ele fazia Dino sorrir. O resultado era tão perfeito que, quando criança, eu tinha certeza de que tudo aquilo era computação gráfica.

Você pode entender melhor o processo com este mini-documentário. Ele saiu como extra num dos DVDs das temporadas completas de Família Dinossauros que a Disney está devendo até hoje aqui no Brasil. Bill Barretta, o homem que sofria tendo que usar a fantasia de Dino, conta por exemplo que os atores só conseguiam enxergar alguma coisa quando o personagem abria a boca. Por isso o Dino costumava abrir a boca para tomar fôlego quando andava… taí, em inglês, dividido em duas partes:

 

http://www.youtube.com/watch?v=dD2PqtsHg30

http://www.youtube.com/watch?v=cr9BdjPJ6hY&feature=related

 

O investimento na série era alto. Dizia-se que os gastos com cada episódio ficavam entre $1 milhão e $1.5 milhão – mas era algo aceitável para a Disney. “Este é o tipo de programa em que eu posso me dar ao luxo de investir um pouquinho mais,” disse Rich Frank, então presidente da Walt Disney Studios, “porque há benefícios colaterais em ter os personagens nos parques, brinquedos nas lojas, vídeos na estante.” De fato, na época não faltou merchandising e produtos licenciados. Quem tem mais de 25 anos provavelmente se lembra do sucesso que faziam os bonecos do Baby, que repetiam as frases mais famosas do personagem.

A febre dos dinossauros também atingiu o Brasil. A série era exibida por aqui na hora do almoço, na Globo, e conseguia levantar a média de audiência de 12 para 20 pontos. Aos domingos, quando eram passados apenas episódios inéditos, os números batiam em 23 pontos.

Tinha mesmo um grande apelo a ideia de uma sitcom estrelada por dinossauros. Os seres pré-históricos mostrados ali eram iguais a nós em quase tudo, mas o potencial cômico geralmente estava em ver as características mais conhecidas dessas criaturas se encontrando com o mundo normal ao qual estamos acostumados. Como ao observar que o jornal lido por Dino se chamava “Notícias de Pangéia”. Ou ver o Bobbie tentando entender por que eles estavam no ano 60.000.003 e o ano seguinte seria 60,000,002. O programa ainda tomava a liberdade de ignorar um pouco os fatos históricos e mostrava os dinossauros convivendo com humanos, que eram selvagens irracionais, desprezados pelos dinos.

Na televisão dos dinossauros, a CNN virava DNN, a MTV virava DTV, e a sigla da rede ABC significava “Antediluvian Broadcasting Company”. Os programas assistidos por eles, aliás, rendiam alguns dos momentos mais engraçados da série. Em um episódio, Família Dinossauros brincou com um programa chamado “Unsolved Mysteries”, que disputava audiência com a série. Depois de passar por uma experiência de quase morte, Zilda foi convidada para participar do “Mistérios que Ainda Não Foram Solucionados”, sátira ao rival da outra emissora, e disse ao apresentador: “Eu adoro o seu programa! Como encontram tantos mistérios toda semana?” Ele responde: “Na verdade, nós só temos quatro, que nós vivemos repetindo e repetindo. Felizmente, ninguém percebe.” Assistindo ao programa em casa, Dino e Fran tiveram o seguinte diálogo:

Dino: Quero ver o programa dos bonecos no outro canal.
Fran: É programa de criança.
Dino: Que nada! Eles fazem uma justaposição muito sofisticada da realidade.
Fran: Não vai durar um ano.

Em seguida, o apresentador do programa da TV anuncia o mistério da semana seguinte: “Os espectadores. Quem são eles? Por que vivem assistindo ao nosso programa se há um programa muito melhor no outro canal a esta mesma hora?”

 

 

Logo que surgiu, Família Dinossauros foi alvo de muitas comparações com outras séries do gênero, especialmente Os Simpsons. Os críticos diziam que, por trás daquele visual impressionante, havia apenas uma sitcom igual a todas as outras. “De certa forma, isso é injusto, porque ninguém jamais havia escrito sobre um mundo de dinossauros refletindo o estilo de vida humano antes,” defendeu Henson. Michael Jacobs, um dos roteiristas, explicava que, por terem uma aparência tão estranha e viverem em cenários tão incomuns, os personagens precisavam parecer familiares para os espectadores seguindo uma estrutura mais padrão das sitcoms.

De qualquer forma, a série com certeza era mais do que aquelas fantasias. Ela abordava temas adultos que dificilmente apareceriam em outro programa voltado para um público tão amplo – sexo, drogas, morte, racismo, assédio sexual, homossexualidade e outras coisas do tipo apareciam ali com naturalidade através de metáforas e muito bom humor. Servem como exemplo episódios clássicos como aquele em que Bobbie, Dino e Charlene experimentam uma planta que os faz fugir do mundo real. Ou aquele em que Bobbie se torna vegetariano, causando vergonha ao seu pai. Ou ainda o da dança do acasalamento, e por aí vai. Essa liberdade para falar de qualquer tema com certeza era um dos pontos fortes da série, e uma das razões pelas quais ela unia na frente da TV crianças e adultos.

Família Dinossauros também ganhava pontos porque era estrelada por personagens que não eram exatamente bonzinhos. Era uma série sem frescura, que não se deixava cair em momentos melosos e não tinha problemas em mostrar Bobbie arremessando Baby contra a parede ou Dino comemorando e rindo ao achar que sua sogra tinha morrido.

O cinismo da série durou até o seu último episódio. Diferente de qualquer outra sitcom familiar que tenha surgido antes ou depois, Família Dinossauros se despediu do público com um episódio que abriu mão de finais felizes. É quase impossível assistir sem ficar meio chocado… mas os produtores estão de parabéns pela coragem. Aplaudo de pé.

 

http://www.youtube.com/watch?v=6HMqRHkkuXw

http://www.youtube.com/watch?v=IlCYTqAv-Kk&feature=related

 

Fontes: The New York Times – 14 de abril de 1991Chicago Tribune – 3 de fevereiro de 1994Los Angeles Times – 19 de fevereiro de 1992Los Angeles Times – 17 de novembro de 1991Revista Veja – Edição 1246 – 5 de julho de 1992

 

Escrito por AJ

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