Muito antes de quatro amigas se reunirem em Nova York para conversar sobre sexo ou de quatro donas de casa entrarem em desespero ou de duas senhoras serem abandonadas por seus maridos homossexuais, o mundo televisivo tinha a amizade da sarcástica Dorothy Zbornak, da inocente Rose Nylund, da sedutora Blanche Devereaux e da atrevida Sophia Petrillo.
E se hoje a The Walt Disney Company se mostra como uma grande produtora de séries para o público jovem e adulto, devemos agradecer – e muito! – pelo companheirismo e confidências dessas mulheres. Afinal, o sucesso de The Golden Girls ou Super Gatas, como o seriado ficou conhecido no Brasil, impulsionou a criação de muitos outros programas televisivos.
Imagine. Burbank. 1984. O genro de Walt Disney, Ron W. Miller, atuava como diretor executivo da casa do Mickey Mouse, a qual era conhecida por suas animações e filmes voltados para as famílias, com classificação etária livre. Em uma tentativa de amadurecer o conglomerado aos olhos do público, Miller fundou a Touchstone Pictures, um selo para longas-metragens direcionados ao público adulto.
Como parte dessa repaginação, também foi criada a Touchstone Television, cujo propósito era o mesmo, mas, em vez de produções cinematográficas, para projetos televisivos. A primeira criação da nova subsidiária veio no ano seguinte, em 1985. Wildside mostrava cinco vigilantes tentando proteger uma comunidade do velho oeste. Foram exibidos apenas seis episódios antes do cancelamento.
Naquele mesmo ano, a produtora se arriscaria de novo em outra ideia. Uma ainda mais perigosa por desafiar as regras da indústria: colocar quatro mulheres, todas acima de trinta e seis anos, para protagonizar uma série de comédia, com uma presença masculina quase nula. Atualmente, as mulheres mais velhas ainda são excluídas, então, três décadas atrás, era algo extremamente revolucionário.
Susan Harris ficou encarregada de desenvolver o ambicioso projeto. E pouco tempo depois, o elenco estava formado, com Bea Arthur como Dorothy; Betty White como Rose; Rue McClanahan como Blanche; e Estelle Getty como Sophia. Assim, em 14 de Setembro de 1985, The Golden Girls estreou na NBC. O primeiro episódio foi assistido por vinte e um milhões de pessoas e se tornou a maior estreia do canal dos últimos dois anos.
Tema de abertura de The Golden Girls
O primeiro episódio gira em torno do pedido de casamento recebido por Blanche e as diferentes reações de suas colegas de casa, enquanto Rose se mostra preocupada com o pretendente, Dorothy fica extasiada com o possível matrimônio. Na mesma noite, Shady Pines, o asilo no qual Sophia, a mãe de Dorothy, estava morando após ter sofrido um derrame, pega fogo e ela é obrigada a se refugiar na casa da filha.
Com muito humor e doses ocasionais de drama, o seriado retratava o relacionamento entre essas mulheres, dividindo os seus sonhos, medos, romances e cotidianos na cidade de Miami, sem perderem as suas essências ou excentricidades. Apesar de terem uma característica marcante, conforme mencionado no início, essas mulheres não se limitavam a um único adjetivo.
Rose, por exemplo, é vista como a ingênua do grupo com os seus estranhos causos de sua cidade natal, Saint Olaf, mas, ao mesmo tempo, surpreende as demais por suas experiências sexuais. Dorothy tem os seus momentos de ironia e de compaixão. Blanche vai muito além de seu charme e de suas origens em um dos estados mais preconceituosos dos Estados Unidos. E Sophia foge do esteriótipo da sábia idosa e está sempre pregando peças nas demais, além de viver grandes aventuras.
A série apresentou ainda, no primeiro episódio, um pouco do passado de cada uma das personagens. Blanche, Rose e Sophia perderam os maridos há alguns anos e Dorothy foi abandonada pelo esposo por uma aeromoça mais nova. O capítulo também trouxe um cozinheiro/faxineiro homossexual chamado Coco, porém, o personagem foi descartado, pois não se encaixava dentro da dinâmica da história.
Tal exclusão fez muito sentido, porque, ao longo da temporada, os roteiristas criaram um padrão. A cada episódio, pelo menos uma das mulheres se depara com um problema, seja profissional, seja pessoal, seja romântico. Elas se reúnem na cozinha, geralmente no período noturno, para cozinhar e/ou comer um pedaço de cheesecake e debater a questão e uma delas conta alguma história, relacionada ou não com a dificuldade enfrentada.
Da mesma forma, não fazia sentido quatro mulheres com dificuldades financeiras terem um empregado em tempo integral, afinal em vários episódios as personagens tentam ganhar um dinheiro extra para pagar despesas extraordinárias. Isso permitiu ao público se identificar e se aproximar ainda mais das personagens. No dia a dia, Rose trabalha como conselheira em um centro de luto, Blanche é funcionária de um museu, Dorothy é professora substituta, e Sophia é aposentada.
Cheesecake resolve qualquer problema
Rapidamente, The Golden Girls garantiu um lugar entre os dez programas de televisão de maior audiência da época. Junto ao sucesso com o público, vieram a aclamação crítica e os prêmios. Foram sessenta e oito indicações e onze vitórias no Emmy, com cada uma das atrizes vencendo por suas atuações, sendo uma das três séries de comédia a ter um elenco principal premiado em sua totalidade.
Utilizando esse estilo narrativo e a popularidade da produção, a equipe criativa aproveitou para trazer à tona assuntos relevantes e importantes para os espectadores refletirem. Durante os sete anos nos quais o seriado permaneceu no ar, foram discutidos questões de saúde, a exemplo de Alzheimer, AIDS, Síndrome da Fadiga Crônica e Suicídio Assistido, e problemas da sociedade em geral.
Diferente do esperado de uma comédia, The Golden Girls tratava desses temas com profundidade e explorava diversas camadas, como quando Blanche tem receio de sair com um homem em uma cadeira de rodas. Após Blanche superar seus preconceitos, vem a revelação: o personagem era casado. Assim, o roteiro foge do esteriótipo trágico e das histórias de superação e inspiração para apresentar uma versão humanizada, mostrando como o personagem não era tão diferente de outros homens.
Já em relação às polêmicas sociais, os roteiristas abordaram a política de imigração dos Estados Unidos, os precários cuidados geriátricos, o preconceito contra homossexuais, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a falta de assistência aos moradores de rua, assédio sexual, a maternidade solo por meio da inseminação artificial e outros. Infelizmente, muitos desses tópicos continuam a causar divergências, mesmo depois de trinta e três anos.
Porém, o trunfo de The Golden Girls era a sua premissa e as suas quatro personagens principais, todas acima de cinquenta anos – McClanahan, a mais nova do elenco, tinha cinquenta e um anos quando a série começou a ser filmada. Em uma cultura tão obcecada por juventude, os escritores ofereceram ao público feminino uma nova perspectiva, na qual a vida dessas personagens estava longe de ser triste ou miserável.
Quando a série começa, as protagonistas estão incertas acerca de seus futuros. Depois de terem perdido seus maridos, verem os filhos crescerem, ficarem sozinhas e sem destino, os próximos anos de vida não pareciam promissores para elas. No entanto, o improvável laço de amizade formado entre elas acaba sendo o início de um capítulo inédito – e talvez o melhor de todos – na vida delas.
Comprando camisinhas no mercado
Blanche, Rose, Dortohy e Sophia descobrem novos passatempos, ambições, romances e prazeres sexuais. Cada uma delas era única e com uma personalidade distinta, sem serem motivo de piadas, como costuma acontecer com pessoas mais velhas em muitas séries. Essas mulheres, ao abraçarem essa nova fase de suas vidas com toda a sabedoria e vulnerabilidade, comprovam não haver mal algum em envelhecer.
Grande parte da popularidade do seriado se deve ao elenco estelar e isso explica tantos prêmios, mas também graças aos roteiros engenhosos e engraçados. Mais de quarenta roteiristas foram creditados pelos cento e setenta e sete episódios, inclusive alguns que lançaram séries aclamadas nos anos seguintes, como Christopher Lloyd, criador de Modern Family (2009-hoje), e Mitchell Hurwitz, criador de Arrested Development (2013-hoje).
Marc Cherry, a mente por trás de Desperate Housewives (2004-2012), também iniciou a sua carreira com as histórias das Super Gatas. Embora as tramas sejam bem distintas, é possível notar alguns vestígios dessa experiência no estilo do roteirista, dos quais podem ser citados o humor ácido, o debate de assuntos polêmicos, e a criação de uma dinâmica de amizade e de irmandade entre as protagonistas.
A maior semelhança, no entanto, é o fato de ambas lidarem com a questão da idade das atrizes. Como a obra de Cherry também tinha protagonistas mais experientes, na casa dos quarenta anos, uma das exigências da ABC para produzi-la foi escalarem uma atriz mais nova, com trinta e poucos anos, para manter o interesse do público. Ou seja, duas décadas depois, a idade continuava a ser um problema…
Nesses catorze anos desde a estreia de Desperate Housewives, o espaço para mulheres acima dos quarenta anos ainda é restrito. Recentemente, a série antológica Feud: Bette and Joan (2017) levantou o debate sobre o preconceito contra atrizes dessa faixa etária e acima, e também tivemos o lançamento de Viva – A Vida é Uma Festa (2017), cujo um dos temas é o respeito aos mais velhos e a importância de seus legados.
Fica nítido, com isso, o quanto The Golden Girls foi um produto pioneiro para a década de 1980, pois, mesmo nos dias atuais, continua sendo revolucionário. Se DuckTales: Os Caçadores de Aventuras (1987-1990) mudou o cenário das séries animadas do Universo Disney, as jornadas de Dorothy, Rose, Blanche e Sophia foram fundamentais para consolidar a casa do Mickey Mouse perante o público adulto.
Sophia e Dorothy imitam Sonny e Cher
Embora a série tenha inúmeras qualidades, não está isenta de críticas e falhas. Alguns episódios trazem retratos e tramas problemáticas, especialmente em relação a negros e a outras nacionalidades, com o emprego de piadas cheias de esteriótipos, as quais apesar de serem usadas em doses pequenas ao longo das sete temporadas e da época, não se tornam mais aceitáveis ou justificáveis.
Dois episódios podem ser citados como exemplos dessa situação específica. Na terceira temporada, as protagonistas contratam uma empregada negra para ajudá-las na casa, mas acreditam que ela é uma praticante de vodu e jogou uma praga nelas. E na quinta temporada, Sophia e Dorothy vão a um médico chinês e a matriarca da família Petrillo passa a cena inteira fazendo comentários desnecessários sobre a população chinesa.
O episódio final do seriado, transmitido em 09 de Maio de 1992, também pode ser visto como um ponto fora da curva em sua trajetória brilhante. Bea Arthur não desejava mais continuar no programa e isso levou os roteiristas a encerrá-lo. Todavia, apenas a história de Dorothy ganha um desfecho e o fim dado às demais protagonistas é um tanto triste e amargo.
Isso gerou a produção de uma sequência, chamada The Golden Palace, a qual estreou em 18 de Setembro de 1992. Nela, Sophia, Blanche e Rose decidem comprar um hotel em decadência e revitalizá-lo, com a adição de dois novos personagens: Roland Wilson (Don Cheadle), o gerente do estabelecimento; e Chuy Castillos (Cheech Marin), o cozinheiro com quem Sophia vivia brigando.
Sem a presença de Dorothy e com a inclusão de homens na história, o roteiro perdeu o seu toque de irmandade e, a cada capítulo exibido, a audiência foi diminuindo. Foram produzidos vinte e quatro episódios. O último foi ao ar em 14 de Maio de 1993 e, mais uma vez, Rose, Sophia e Blanche terminaram sem uma conclusão satisfatória. Além da continuação, a obra original ganhou dois derivados: Empty Nest (1988-1995) e Nurses (1991-1994), os quais contaram com participações pontuais das Super Gatas.
The Golden Girls igualmente se mostrou um enorme sucesso mundial. No Brasil, foi exibida pela Rede Globo, entre 1987 e 1989, na Sessão Comédia; pela TV Gazeta; e pelo Multishow. Até o momento, já foram produzidas oito versões internacionais, incluindo uma espanhola e outra portuguesa. Em muitos países como Austrália e Canadá, o programa ainda é exibido diariamente em reprises. Nos Estados Unidos, todos os episódios estão disponíveis no serviço de streaming Hulu.
Pegando um resfriado
Pouco tempo depois do fim das histórias das personagens, em 1996, a The Walt Disney Company comprou a emissora ABC por dezenove milhões de dólares e a produção de séries para o público adulto se intensificou ainda mais, nas quais se incluem Eu, a Patroa e as Crianças (2001–2005), Alias: Codinome Perigo (2001-2006), Grey’s Anatomy (2005-hoje) e Ugly Betty (2006-2010). Em 2007, a Touchstone Television foi rebatizada como ABC Studios, a fim de fortalecer a marca e a criação de conteúdo.
Em Setembro de 2009, na primeira edição da D23 Expo, Bea Arthur, Betty White, Rue McClanahan e Estelle Getty foram consagradas como Disney Legends devido ao legado e ao impacto de suas personagens. O prêmio foi concedido postumamente a Getty, falecida em 22 de Julho de 2008, aos oitenta e quatro anos, e a Arthur, falecida em 25 de Abril de 2009, aos oitenta e seis anos.
McClanahan faleceu em 03 de Junho de 2010, aos setenta e seis anos. White é a única integrante viva do quarteto e, atualmente, possui noventa e seis anos. Apesar da idade avançada, White continua a trabalhar como atriz e a realizar trabalhos humanitários. Seu crédito audiovisual mais recente foi uma participação no documentário If You’re Not in the Obit, Eat Breakfast (2017), sobre nonagenários, o qual contou também com Stan Lee e Dick Van Dyke.
Depois de três décadas, The Golden Girls segue como umas das séries mais revolucionárias e modernas já produzidas, sobretudo por dar espaço para classes tão pouco representadas na televisão e por debater assuntos pouco comentados. Contudo, o maior ensinamento da jornada desse grupo de mulheres é o quão privilegiados somos de envelhecer, porque idade é apenas um número e o que realmente importa é quem temos por perto e como decidimos viver cada dia.
A lição fica mais evidente ao analisarmos a vida de Getty. Em relação às suas colegas de elenco, as quais já haviam participado de seriados de sucesso em papéis importantes, a intérprete de Sophia Petrillo era uma novata na indústria. Seu primeiro trabalho como atriz veio em 1978, aos cinquenta e cinco anos, em uma breve aparição. Nos anos seguintes, Getty continuou a ser contratada para pequenas participações em séries e filmes.
Getty havia decidido que, caso o teste para viver Sophia fosse um fracasso, ela iria desistir da carreira. Ela não apenas foi escolhida, como caiu nas graças do público. A ideia original da equipe criativa não era dar tanto destaque para a matriarca. Em razão da exclusão de Coco e do apelo da personagem com os telespectadores, ela ganhou mais espaço dentro da história.
Peladas no Dia dos Namorados
Por sua atuação, Getty foi indicada sete vezes e venceu uma vez o Emmy, além de ser a única do elenco a ter ganhado o Globo de Ouro. O sucesso de sua personagem a levou a reprisá-la em diversos seriados, incluindo Blossom (1991-1995). Após o final de The Golden Palace, Sophia foi incluída na trama de Empty Nest, participando dos últimos cinquenta episódios do programa. Curiosamente, Getty era um ano mais nova do que Bea Arthur, sua filha na ficção, e gastava três horas para se caracterizar.
De certa forma, The Golden Girls é uma representação de uma das frases mais famosas de Walt Disney: “Continue seguindo em frente.” E ao obedecerem a esse conselho, essas mulheres mudaram para sempre o panorama televisivo. A força desse quarteto, as lições de vida, as mensagens progressivas, as ótimas histórias e piadas transformaram a série em um clássico da televisão, digno de ser revisto incontáveis vezes, e abriram caminho para muitas outras produções. Muito obrigado pela amizade, Sophia, Rose, Blanche e Dorothy!