Aqui na A Outra Ponta do Lápis, nós já falamos um pouquinho sobre a vida e carreira dos animadores da princesa Jasmine, do herói Aladdin e do vilão Jafar. E agora, chegou a hora de conhecer aquele que deu vida a um dos personagens mais queridos já criados pelos estúdios Disney: o Gênio da Lâmpada.
Eric Goldberg trilhou um longo caminho no mundo da animação antes de chegar ao estúdios Disney e é um dos profissionais da área mais carismáticos. Que tal aprendermos mais sobre ele?
“Se uma imagem vale mais do que mil palavras, então imagens que se mexem devem valer pelo menos vinte e quatro vezes isso.”
Eric Goldberg
Eric Goldberg é um animador dos Estados Unidos que nasceu no dia 01 de Maio de 1955, na cidade de Levittown, Pensilvânia. Ele se mudou ainda pequeno para New Jersey, onde cresceu e estudou.
Assim como a maioria dos animadores, Eric se descobriu apaixonado por desenhos animados ainda criança. Sua infância se passou na década de 1950, período no qual séries animadas como Pernalonga, Betty Boop e Pica-Pau começaram a ser transmitidas pelas emissoras de televisão. Aliás, o personagem Pica-Pau foi o primeiro desenho que Goldberg fez e quem o ensinou foi seu irmão.
Eric não esperou crescer para por a mão na massa. Estimulado pelo programas transmitidos na época que explicavam como desenhos animados eram feitos, e sempre apoiado pelos pais, ele começou a produzir seus primeiros flipbooks aos seis anos de idade.
Não sabem o que é um flipbook? Eu explico. Nada mais é do que um pequeno livro onde desenhos em sequência são feitos em páginas diferentes de modo que, quando passadas rapidamente, criem a ilusão de movimento, de assistirmos a uma curta animação.
Flipbooks de Goldberg:
Os flipbooks continham pequenas gags, piadas curtas e visuais. Eric sempre buscou humor em seus trabalhos, mesmo quando criança. Um pouco mais velho, aos treze anos, ele começou a experimentar o formato Super 8 e alguns de seus filmes amadores ganharam prêmios.
Quando completou dezessete anos, Eric entrou em contato com outro animador Disney, seu xará, Eric Larson. Larson o incentivou a trilhar o mesmo caminho que a maioria dos animadores Disney seguiram e entrar no programa de animadores dos estúdios Disney. Goldberg visitou os estúdios com seu portfólio, mas vejam que curioso: ele não foi aceito por ser um animador muito bom. Isso mesmo, ele foi rejeitado por já ter muita habilidade.
Os recrutadores Disney buscavam alguém que soubesse desenhar, mas não animar, de modo que pudessem ensinar do zero toda a técnica. Além disso, o modo caricato de Eric desenhar não era um estilo comum entre os animadores do estúdio, gags também não eram tão recorrentes quanto costumavam ser na época de Walt Disney.
Quando Goldberg estava em seu penúltimo ano do Ensino Médio, ele começou a cursar Ilustração no Pratt Institute em New York. Após terminar o curso, em 1975, Eric foi chamado por Richard Williams, conhecido por dirigir Uma Cilada para Roger Rabbit (1988), para ser assistente na animação Raggedy Ann and Andy: A Musical Adventure (1977). Essa foi a primeira real chance de Goldberg entrar no mundo da animação. Durante a produção ele foi assistente da animadora Tissa David.
Após terminar Raggedy Ann and Andy, Eric queria participar da produção da adaptação para animação de O Senhor do Anéis (1978). No entanto, quando foi pedir uma carta de recomendação recebeu uma nova proposta, a de se mudar para os estúdios de Williams em Londres e trabalhar animando comerciais. Eric aceitou e, assim, entrou no mundo das animações publicitárias.
Lá, ele trabalhou com Ken Harris, um grande animador de Chuck Jones, responsável por Pernalonga e outros Looney Tunes. Ken o ensinou a animar “pose a pose”. Isso significa que Eric passou a animar planejando suas posições chaves da ação antes de intervalar, de preencher os segundos com vinte e quatro desenhos.
O período no qual trabalhou em Londres foi extremamente importante para a criação do estilo definitivo de Goldberg, pois, por começar animando comerciais ao invés de personagens Disney, teve contato com vários estilos e modos de animar distintos, aprendendo a não se limitar e a absorver o melhor de cada estilo.
Agora, uma pausa para uma curiosidade: Eric conta que um dos comerciais mais legais e desafiadores que já fez foi a campanha anti-tabaco na qual ele animou ninguém mais, ninguém menos, que o super-herói mais famoso de todos: Superman.
Campanha “Nunca Diga Sim a um Cigarro”:
Em uma viagem aos Estados Unidos, Eric conheceu a pintora de cenários de animação que se tornaria sua futura esposa, Susan. Aliás, foi ela a responsável por apresentar diversos profissionais dos estúdios Disney, e antigos colegas de faculdade, a Eric. Amigos como o diretor John Musker.
Os dois se mudaram para Los Angeles, onde Goldberg trabalhou no desenho Ziggy’s Gift (1982) e eventualmente retornaram à Inglaterra, onde tiveram suas duas filhas e Goldberg montou seu próprio estúdio, o Pizazz Pictures.
“Meu tipo de animação favorita é aquela que parece se divertir em tela.”
Eric Goldberg
Impossível mencionar Eric Goldberg e não se lembrar de seu mais famoso personagem, um dos mais amados entre os fãs Disney e que carrega uma voz incrível: o Gênio da lâmpada de Aladdin (1992).
Apesar de receber constantemente ofertas para voltar aos Estados Unidos, e se unir ao time Disney, o animador nunca se sentiu tentado a deixar a Inglaterra. Isso até receber um convite irrecusável dos diretores John Musker e Ron Clements.
Eles entraram em contato e o convidaram para animar um personagem em sua nova produção: Aladdin (1992). Goldberg não sabia qual personagem receberia mas apenas a possibilidade de animar o Gênio e trabalhar com Robin Williams foi o suficiente para convencê-lo. E assim, finalmente, Goldberg estreou como animador nos estúdios Disney. E que estreia!
Começou animando um dos personagens mais divertidos e querido de todos os fãs, tanto adultos quanto crianças. O sucesso do Gênio se deve em parte ao talento inquestionável de Robin Williams como ator, mas também ao modo diferenciado de Eric animar. Sua veia cômica foi essencial para a caracterização do personagem.
“Uma das coisas mais empolgantes de toda minha vida foi ter feito Robin Williams rir com a minha animação.”
Eric Goldberg
Enquanto a maioria dos animadores dos estúdios Disney são admirados pela maneira sutil com que animam, Eric se destaca pela maestria com que anima de maneira exagerada e caricata seus personagens. O Gênio, por exemplo, expressa inúmeras emoções diferentes, às vezes em uma mesma fala, e as transições entre expressões são sempre fluídas.
Eric conseguia visualizar o que Robin imaginava quando atuava e, assim, os dois formaram um time ideal. Aliás foi Goldberg, em parte, o responsável por convencer o ator a subir a bordo do projeto. Ele animou o Gênio falando alguns trechos dos números de comédia em pé de Williams e os mostrou ao comediante, que ao ver o resultado, se divertiu muito e topou.
Trabalhar na Disney ensinou a Eric novas lições como trabalhar em equipe. Estúdios grandes têm uma dinâmica diferente de agências de propaganda e ele se surpreendeu ao testemunhar que a colaboração entre diferentes artistas pode enriquecer uma obra.
Todas as áreas como roteiro, cenário, cor, animação, atuação e músicas precisam trabalhar unidas para no fim resultar em algo visualmente belo e harmônico. Goldberg era o animador supervisor do Gênio, mas não trabalhava sozinho. Uma boa idéia para a cena podia vir de qualquer lugar e ele se acostumou a ouvir as idéias de todos, inclusive de seus assistentes.
Após Aladdin (1992), não havia um novo personagem disponível para Goldberg animar, pois todos de O Rei Leão (1994) já estavam distribuídos. Ele optou então por co-dirigir Pocahontas (1995) ao lado de Mike Gabriel. Eric aceitou dirigir o longa porque gostava da mensagem principal da história: duas pessoas completamente diferentes que precisam aprender a lidar com suas diferenças.
Porém, apesar de achar o trabalho de Glen Keane excelente e adorar as músicas, Goldberg não ficou muito empolgado com o projeto. Logo, percebeu que o novo longa-metragem seria muito mais sério do que o anterior, Aladdin (1992), e não o atraía da mesma maneira.
Durante a produção de Pocahontas (1995), Goldberg conseguiu arranjar tempo para animar em segredo alguns dos personagens dos estúdios Warner para desenhos animados. A fim de esconder dos executivos Disney o fato de trabalhar para duas empresas rivais, ele usou o pseudônimo “Claude Raynes” e, por muito tempo, não foi descoberto.
Goldberg é uma pessoa em carne e osso que mais parece ter sido animada por ele mesmo pelo modo como se veste e se mexe. De fato, ele muito lembra a outro personagem que animou, o sátiro Phil, de Hércules (1997). O personagem, assim como o Gênio, mescla momentos de expressão caricata e emotivos. A atmosfera de Hércules (1997) e seu humor constante se assemelham muito mais ao estilo de Eric.
Após Hércules (1997), Eric trabalhou em dois números musicais de Fantasia 2000 (1999), junto com sua esposa Susan. Os números eram “The Carnival of the Animals” e “Rhapsody in Blue”. Ambos apresentam personagens que se movimentam de maneira exagerada, como os desenhos clássicos, e foram o material ideal para um artista como Goldberg. Em “Rhapsody“, o animador se inspirou nas caricaturas do artista Al Hirschfield para criar o design dos personagens.
Eric se afastou dos estúdios Disney após terminar Fantasia 2000 (1999). Ele então trabalhou no projeto Onde Vivem os Monstros (2009), da Universal Studios, e em Looney Tunes – De Volta à Ação (2003), da Warner Brothers. Goldberg também trabalhou em diversos curtas como A Pantera Cor de Rosa, de 2006.
Ele voltou aos estúdios Disney para trabalhar em O Cão e a Raposa 2 (2006), embora seu retorno seja realmente lembrado por seu personagem de A Princesa e o Sapo (2009), Louis. Quando realizou os primeiros testes de animação com o jacaré tocador de jazz, o personagem ainda usava óculos. A idéia inicial era que Louis seria um contador que selou um trato com Dr. Facilier para aprender a tocar jazz mas como consequência foi transformado em um animal. Curioso, não?
Ainda em A Princesa e o Sapo (2009), Eric também foi responsável pela sequência da música “Quase Lá”, que muito lembra seu trabalho em Fantasia 2000 (1999) por ser toda feita no estilo art déco, baseada mais precisamente no estilo do artista Aaron Douglas. Em seguida, trabalhou em Winnie the Pooh (2011), supervisionando outro número musical e animando Abel, o Coelho.
Goldberg faz parte do time de animadores que optaram por permanecer na grande indústria mesmo com o avanço do uso de computação gráfica na produção de animações. Assim como Glen Keane, ele continua participando do planejamento de movimentação do personagens antes de serem modelados, como os de Detona Ralph (2012).
Recentemente, Eric foi o responsável por animar nosso mais querido Camundongo, Mickey Mouse, no curta Hora de Viajar (2013) que foi exibido antes das sessões de Frozen: Uma Aventura Congelante (2013).
Desenhando Mickey em Hora de Viajar:
“Não importa quão comum seja uma tarefa, sempre há algo desafiador nela. É assim que me mantenho atualizado. O que há aqui que nunca fiz antes?”
Eric Goldberg
Eric esteve no Brasil em 2014, quando realizou a oficina Masterclass Criando Personagens Memoráveis, durante o Anima Mundi. Algum Camundongo participou? Aos aspirantes a animadores, vale a pena conferir o livro escrito por Goldberg, “Character Animation Crash Course”, um guia de animação de personagens.
O animador realizou uma palestra na qual mostrou diversos trabalhos do passado e contou de maneira divertida sua história. A apresentação foi gravada e pode ser assistida logo a seguir. Apesar de Eric ser uma figura cativante, o vídeo é longo e sem legendas. Sendo assim, para ajudar vocês, registrei os momentos nos quais aparecem exemplos de seu trabalho:
Eric Goldberg na CTN Animation Expo de 2014:
04:22 – primeiros flipbooks feitos por Eric quando criança; 08:50 – curta “FOR SALE”, premiado durante a faculdade; 22:27 – comercial no qual Goldberg animou Superman; 31:12 – testes de animação feitos para Aladdin (1992, incluindo o Gênio; 37:45 – animação de Coiote e Papaléguas que fez sob o pseudônimo “Claude Raynes”; 42:47 – “The Carnival of the Animals”, trecho de Fantasia 2000 (1999); 45:20 – “Rhapsody in Blue”, outro trecho de Fantasia 2000 (1999); 49:40 – teste de animação de Louis em A Princesa e o Sapo (2009).
Talvez a maior diferença de Goldberg para outros animadores seja sua busca por inspiração em outras fontes além de antigos artistas Disney, como o caricaturista Al Hirschfield e o animador Chuck Jones. Essa mistura de influências é claramente refletida em seus personagens, ele aprendeu a expressar a personalidade de seus personagens através de movimentos de maneira única.
Ter sido recusado pelos recrutadores Disney pode ter sido a melhor coisa que lhe aconteceu. Alguns animadores precisam animar vários personagens para gravar seus nomes em nossa memórias. Eric Goldberg precisou de apenas um.