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A Outra Ponta do Lápis | Mary Blair

A maioria de nós, fãs, que acompanhamos as produções dos estúdios Disney, possuí um artista favorito. Talvez você goste de animadores clássicos como Ub Iwerks. Ou quem sabe prefira aquele que deu vida a tantas princesas, Mark Henn. Há ainda quem goste de vilões e aprecie o trabalho de Andreas Deja. Já falamos sobre vários nomes importantes mas não é sempre que podemos falar da artista favorita de ninguém mais, ninguém menos, que Walt Disney.

Isso mesmo, uma mulher. Ela foi uma das primeiras artistas contratadas pela empresa, em um época na qual os estúdios Disney eram verdadeiros “clubes do Bolinha”, e encantou Walt com sua arte e personalidade forte. Hoje, falaremos sobre a ilustradora e artista de arte conceitual, Mary Blair.

Mary Browne Robinson nasceu no dia 21 de Outubro de 1911, em uma pequena cidade no interior do estado de Oklahoma, Estados Unidos. E ela não estava sozinha, já que com ela também nasceu sua irmã gêmea, Augusta.

A família de Blair passou por dois grandes problemas: possuíam uma renda baixa, que piorou ainda mais com os efeitos econômicos da Grande Depressão; e o fato de seu pai sofrer de alcoolismo. Os Robinsons se mudaram algumas vezes após o nascimento de Mary. Primeiramente, para o Texas e, em 1918, para Morgan Hill, na Califórnia, onde se fixou.

Entretanto, esse cenário desfavorável não impediu Mary de seguir seu sonho. Desde criança, ela já sabia que queria ser uma artista, tinha paixão por estudar arte e sabia que apenas como ilustradora seria feliz.

Mary cursou o ensino médio no colégio Live Oak Union High School, onde se formou em 1929. Posteriormente, ela iniciou o curso de Belas Artes na San Jose State College. Porém, seu caminho como artista começou a verdadeiramente ser trilhado quando recebeu uma bolsa de estudos da Chouinard School of Art. Lá, ela teve professores como os artistas Pruett Carter, Morgan Russell e Lawrence Murphy.

Enquanto estudava, Blair conheceu o também estudante de artes, Lee Everett Blair, com quem se casou um ano após de formar, no dia 03 de Março de 1934. Desse modo, deixou o sobrenome Robinson para trás e aderiu Blair, pelo qual seria conhecida no meio artístico durante sua carreira.

O período após seu casamento não foi nada fácil. Tanto Lee, quanto Mary, estavam engatinhando como artistas. Apesar de ter seus trabalhos expostos em grandes e importantes galerias, o casal não ganhava dinheiro suficiente para se manter. Os dois, então, começaram a buscar emprego no novo mercado que surgia em Hollywood, os estúdios de animação.

Esse definitivamente não era o cenário ideal na opinião de nenhum dos dois, pois julgavam o trabalho de cartunista como sendo inferior aos que realizavam, como ilustrações em aquarela. Além disso, ambos os traços eram muito diferentes dos produzidos pelos animadores da época.

Lee conseguiu seu primeiro emprego na área antes de Mary, e não era um emprego qualquer. Ele foi contratado por Ub Iwerks, o co-criador de Mickey Mouse. E, assim, fez seu caminho até os estúdios Disney. Já Mary continuou praticando aquarela até ser contratada pelos estúdios MGM. Não demorou muito para Mary ser convidada a se unir à equipe Disney, trabalhando inicialmente para Ub. A artista aceitou, relutantemente, e começou nos estúdios em Abril de 1940.

Quando Mary entrou na empresa, mulheres eram contratadas apenas para arte-finalizar os desenhos dos animadores ou colori-los, não tendo a chance de se tornarem animadoras ou ganharem funções de destaque. Se quiserem saber um pouco mais sobre a vidas das primeiras mulheres dos estúdios Disney, leiam a edição dessa coluna na qual falamos sobre as coloristas e artes-finalistas da época de Branca de Neve e os Sete Anões (1937).

Essa limitação, porém, não foi problema para Mary que tinha como foco principal trabalhar com arte conceitual. “O que um artista conceitual faz?”, você deve estar se perguntando. Bem, antes de um filme animado, ou até mesmo um com atores, ser produzido, o diretor precisa se assegurar que todos os elementos estão interagindo da melhor forma para contar a história. Isso inclui elementos como luz, estilo de arte e palheta de cores.

O artista conceitual cria artes, ilustrações e rascunhos, baseadas na história e nas orientações do diretor. Essas artes têm como função guiar todos os outros profissionais envolvidos no projeto. Nelas ficam registradas o tom das cenas, as cores predominantes e até mesmo a personalidade dos personagens.

Na maioria das vezes, vários artistas são chamados para trabalhar nesse processo até que o diretor encontre o mais adequado. Há vários livros sobre o assunto disponíveis no mercado, com artes belíssimas, como “Tale as Old as Time“, sobre A Bela e a Fera (1991), e “The Art of Tangled“, de Enrolados (2010). Vale a pena conferir!

Assim que começou na empresa, Mary foi escalada para trabalhar em vários projetos que já estavam encaminhados, como o longa Fantasia (1940), no qual ela ficou responsável por uma sequência chamada Baby Ballet. Esse trecho foi descartado antes mesmo de ser produzido. Ela também criou artes para o que se tornaria no futuro A Dama e o Vagabundo (1955).

Mesmo trabalhando em um dos principais estúdios do ramo, Mary estava descontente em seu emprego por dois motivos: primeiramente, porque ela não gostava de ser colocada sempre em projetos que já estavam sendo produzidos, sentia que não havia oportunidade de verdadeiramente criar algo; e em segundo lugar, porque Mary não gostava de receber ordens dos animadores.

Em Junho de 1941, Mary se demitiu e voltou a trabalhar com ilustrações em aquarela, mas não demorou muito para retornar aos estúdios. Durante o período da Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos e Walt voltaram seus olhos para a América do Sul, em busca de histórias para contar.

Disney então convidou Mary e seu esposo para seu novo projeto: viajar com ele e sua esposa, Lilian, pela América do Sul. Vendo a chance de participar de um projeto desde o início, e de viajar pelo continente estudando arte e desenhando, Mary aceitou a oferta na hora. Assim, em Agosto de 1941, ela era de novo uma artista Disney.

E foi bem aqui, na América do Sul, que Blair desenvolveu o estilo pelo qual ficou conhecida: artes com cores vibrantes e chapadas, nada de contornos! Além de utilizar sua aquarela, começou a experimentar com guache, carvão e fundos pretos. Estava ganhando sua própria voz.

Desde a época de faculdade, Mary sempre possuiu um grande senso de diversidade, algo raro para a época. Ela era capaz de perceber e assimilar a beleza de diferentes nacionalidades e culturas. Ela se apaixonou pela estética que encontrou em países como Argentina, Chile, Peru e, claro, Brasil. Não foi por acaso que a artista foi escalada como diretora de arte nos filmes Alô, Amigos (1942), Você já foi à Bahia? (1944) e Música, Maestro! (1946).

Em Fevereiro de 1947, Mary e Lee tiveram seu primeiro filho, Donovan. E em Agosto de 1950, sua família ficou ainda maior com o nascimento de seu segundo filho, Kevin. A maternidade poderia ter parado o trabalho de Mary, mas em nada mudou. Pelo contrário, ela realizou seus trabalhos mais marcantes nos estúdios Disney nos anos seguintes. Entre 1950 e 1953, ela trabalhou no departamento de arte e cores de obras clássicas como Cinderela (1950), Alice no País das Maravilhas (1951) e Peter Pan (1953).

Cinderela começou a ser produzido no fim dos anos quarenta e seria a grande volta dos estúdios Disney após a Segunda Guerra. Walt e seu irmão Roy escolheram contar novamente uma história baseada em contos de fada, semelhante à de Branca de Neve em sua estrutura, porque precisavam de um sucesso certeiro. Se Cinderela fracassasse, seria o fim dos estúdios, pois declarariam falência.

Lembram-se que disse que Blair era a favorita de Walt? Bem, quando chegou a hora de chamar alguém para criar a arte do filme, foi ela quem ele chamou. Ele sabia que mesmo sem dinheiro precisava fazer com que o filme parecesse sofisticado, e ninguém melhor do que Blair para criar o estilo certo.

Infelizmente, o trabalho de Blair era muito estilizado para ser reproduzido no clássico. As cores usadas pela artista foram mantidas em vários momentos do filme, mas os traços dos personagens foram alterados drasticamente para serem mais carismáticos, se tornaram mais arredondados e realistas.

Seu estilo próprio pôde ser mais aproveitado em filmes como Alice no País das Maravilhas e Peter Pan. As duas obras possuem uma palheta de cores mais vibrantes e parte de seus cenários e personagens puderam ser estilizados, já que ambas as histórias se passam em mundos totalmente distintos do nosso e a realidade e fidelidade estética não eram uma prioridade.

Após Peter Pan, Mary deixou os estúdios mais uma vez e passou a trabalhar como designer gráfico e ilustradora em diferentes ramos como propaganda e construção de cenários de decoração. Ela criou cenários temáticos de Natal e Páscoa para a Radio City Music Hall, e também ilustrou livros baseados nos filmes Disney.

Conta-se que Walt detestou a partida da artista, ficou realmente chateado. E, talvez, por isso contratou outro artista com características semelhantes às de Blair, chamado Eyvind Earle. Eyvind trabalhou na arte de A Bela Adormecida (1959).

Sabendo que um dos motivos da partida de Mary foi o fato de sua arte não ser realmente usada no resultado final das animações, Walt não cometeu o mesmo erro e garantiu que o traço e arte de Earle pudessem ser vistos.

Mary Blair voltou a trabalhar para Disney na criação de seus parques na década de 1960. Mary criou artes para as atrações It’s a Small World e Tomorrowland’s Adventure Thru Space. A primeira é uma das atrações mais clássicas e icônicas dos Parques Disney.

Em sua construção, podemos ver a influência da arte de Blair por toda a parte. Desde suas cores vibrantes, ao seu estilo chapado com formas simples. Além disso, todo o conceito da atração reflete a personalidade da artista pois mostra as distintas culturas e povos ao redor do mundo, unidos. Para quem ainda não teve a oportunidade de conhecer os Parques Disney, aqui está um vídeo completo da atração:

It’s a Small World:

Sua arte também pode ser vista em painéis do Contemporary Hotel. Esse hotel, em particular, foi baseado em como as pessoas da época, 1971, imaginavam o futuro: formatos geométricos. O mural feito por Blair é um dos elementos principais da decoração e representa, de modo estilizado, o Grand Canyon.

Após sofrer uma hemorragia cerebral, a artista faleceu no dia 26 de Julho de 1978, na Califórnia. Seu maiores prêmios foram recebidos postumamente. Ela foi honrada com o Disney Legend apenas em 1991, e com o Winsor McCay em 1996. No dia 21 de Outubro de 2011, a página de pesquisa do Google homenageou o centenário do nascimento de Blair, mudando seu logo.

Além das animações e das obras expostas nos parques e hotéis Disney, você também pode encontrar obras de Blair no Walt Disney Family Museum, em San Francisco, e em exposições que eventualmente ocorrem.

Os estudiosos gostam de dizer que foi Mary quem trouxe um estilo modernista para os estúdios Disney. Seu estilo chapado, com o uso de tons sobrepostos para criar dimensão, fascinou Disney. Na palavras do animador veterano Marc Davis, “Ela trouxe arte moderna para Walt de uma maneira que ninguém mas fez. Ele era tão empolgado pela arte dela”.

Dizem também que Walt se identificava com o estilo infantil e inocente de Blair. Enquanto as obras da artista transpareciam tranquilidade e infantilidade, mostrando seu lado infantil, sua personalidade era bem diferente. Blair era decidida, forte e confiante. E não poderia ser de outro modo para vencer nessa indústria, principalmente naquela época.

O trabalho de Mary abriu as portas para todas as animadoras, diretoras e roteiristas que seriam contratadas pela empresa nas próximas décadas. Ela provou seu valor como artista e profissional, não aceitando as funções que julgavam ser melhores para ela, e conseguiu até mesmo impressionar aquele que vários animadores dizem ser impossível de agradar, o próprio Walt.

Escrito por Caroline

Designer Gráfico, Disney freak, viciada em café, quer ser roteirista e princesa quando crescer. Têm mais livros do que deveria e leu mais vezes “Orgulho e Preconceito” do que têm coragem de admitir.

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