O que para uns pode representar algo desnecessário e sem criatividade, para outros pode ser motivo de grande alegria. Depois de diversos rumores, contradições e negações, o Pixar Animation Studios oficializou a produção de “Toy Story 4“. Ou seja, Woody e sua turma não se contentaram com os especiais televisivos e vão voltar para mais uma aventura de longa duração. E a piada em “Muppets 2: Procurados e Amados” não poderia ser mais verdadeira…
A trama foi idealizada por John Lasseter (“Toy Story“, “Vida de Inseto“), Andrew Stanton (“Procurando Nemo“, “Wall-E“), Pete Docter (“Monstros S.A.“, “Divertida Mente“) e Lee Unkrich (“Toy Story 3“), os principais cineastas e mentes criativas do estúdio. No entanto, o roteiro está sendo escrito por Rashida Jones e Will McCormack, cujos únicos créditos como roteiristas são “Celeste e Jesse Para Sempre” e um episódio da série “A to Z”.
Na época de seu lançamento, em 2010, “Toy Story 3” foi considerado o final perfeito e emocionante para uma trilogia, o qual supostamente nunca mais deveria ser tocado – rendendo, inclusive, uma indicação ao Oscar de Melhor Filme®. Lasseter, diretor dos dois primeiros capítulos e que agora retorna ao comando da franquia, concorda. “‘Toy Story 3‘ encerrou a história de Woody e Buzz com Andy tão perfeitamente que durante um período nós sequer conversamos sobre fazer outro,” disse no anúncio para imprensa.
“Porém, quando Andrew, Pete, Lee e eu tivemos essa ideia, eu não conseguia parar de pensar a respeito. Era muito empolgante para mim, e eu sabia que tínhamos que fazer esse filme – e eu mesmo queria dirigi-lo.” Como era de se esperar, nesse ponto da produção, poucos detalhes seriam divulgados, apesar de, em uma entrevista ao L.A. Times, Lasseter ter indicado se tratar de uma história de amor.
O chefe criativo do estúdio ainda declarou que a história seguirá de onde parou no terceiro filme, após Buzz, Woody, Jessie e os outros brinquedos terem sido doados para Bonnie. Isso, no entanto, não chega a ser de fato uma novidade, afinal os curtas-metragens e os dois especiais para televisão respeitaram a cronologia e Andy já se tornou carta fora do baralho.
Conversando com a versão latina do Disney News, Jims Morris, atual presidente da casa do Luxo Jr., trouxe à tona outros pontos interessantes da produção. De acordo com ele, a equipe já realizou as primeiras leituras em grupo, ou seja, o roteiro já está finalizado e os dubladores já foram chamados (porém, não significa que essa versão será a mesma dos cinemas, pois quando se trata de uma animação, muito do trabalho é modificado nas sessões de gravação de voz).
“Estamos criando uma história muito bonita. Não é uma continuação da história de ‘Toy Story 3‘. Começa como uma, mas será uma comédia romântica. Não vai haver foco na interação entre os personagens e as crianças (…) O terceiro filme acabou de uma maneira bonita e completou uma trilogia. Acredito que este não será parte desta trilogia. É uma história separada, a qual, por sua vez, não sei se será continuada. Nunca começamos um projeto com isso em mente,” disse Morris.
Ao analisar a afirmação do presidente da Pixar, podemos observar alguns elementos curiosos. Primeiro, Morris reforçou a ideia de que haverá um romance, o que levanta dúvidas sobre quem será o casal e a forma como isso será trabalhado. Na trilogia, tivemos exemplos disso – Woody e Betty; Buzz e Jessie; Ken e Barbie -, mas romance nunca foi o cerne da franquia, e sim a relação dos bonecos com o seu dono e a amizade entre eles.
Segundo, tal vínculo, que humanizava os brinquedos, aparentemente foi quebrado. Embora Andy tenha tido pouco tempo de tela, a conexão existente entre eles era crucial para o desenvolvimento dos personagens. Era o modo de fazer o público acreditar que aqueles brinquedos não eram simples brinquedos. A força-motriz do terceiro filme é essa, a razão pela qual Woody e companhia desejam voltar ao seu dono. Morris dá a entender que os humanos – especialmente Bonnie – não serão parte da equação daqui para frente.
Claro, essa decisão abre novas portas a serem exploradas, ao mesmo passo que afasta a franquia de suas origens. Entretanto não chega a ser uma surpresa, pois desde que Bonnie fora apresentada não foi criada uma relação afetiva entre ela e seus novos brinquedos. A garota, aliás, os abandonou em diversas ocasiões e locais – jardim de casa, piscina de bolinhas de lanchonete, hotel de beira de estrada, só para listar alguns. Enquanto com o antigo proprietário, a situação era completamente diferente, então, tirar o foco da criança pode sinalizar algo relativamente positivo.
Soa um tanto preocupante o fato da amizade deixar de ser o tema principal. Toda a trilogia foi pautada e construída com base nisso, seja a amizade entre um humano e um cowboy de plástico, ou entre esse e um patrulheiro espacial, ou entre todos os brinquedos. Ainda mais considerando que será substituída para dar lugar a uma comédia romântica, um gênero que, somente nos últimos cinco anos, teve mais de oitenta filmes produzidos e facilmente remete àqueles exibidos à tarde pelos canais de televisão aberta.
Amizade tampouco é menos comum, contudo, é possível transmitir uma gama maior de valores através dela, um item valioso para as animações, as quais são voltadas ao público infanto-juvenil. Em terceiro lugar, Morris também revelou que se trata de uma trama à parte dos três primeiros longas-metragens, ou quase isso. Sua fala leva à conclusão de que, inicialmente, haverá uma breve continuação da história já apresentada e depois ela seguirá um curso independente. “Toy Story 4” poderá, possivelmente, servir como o primeiro capítulo de uma nova trilogia.
Essa possibilidade vai ao encontro do cronograma anunciado por Ed Catmull, presidente e um dos fundadores da Pixar, anos atrás, em que uma sequência será lançada a cada dois anos e um original anualmente. “Procurando Dory” estreia no próximo ano, “Carros 3” e “Os Incríveis 2” também já estão confirmados; portanto, o pensamento de haver um quinto e sexto filmes não parece mais tão surreal.
Acerca das acusações de o Pixar Animation Studios estar se rendendo às sequências por questões financeiras, Lasseter falou: “Muitas pessoas da indústria nos veem fazendo continuações como parte de um negócio, mas para nós, é pura paixão. Nós apenas fazemos sequências quando temos uma história tão boa ou melhor do que a original.” Embora Lasseter acredite nessa hipótese, as opiniões popular e especializada discordam. “Carros 2” (2011), animação idealizada por ele e da qual é diretor, amarga, dentre todas as produções do estúdio, a posição de pior avaliada em sites como Rotten Tomatoes e Metacritic.
“A decisão de fazer um segundo ou terceiro [filme] depende inteiramente de quão apaixonado o diretor do projeto é. É a melhor maneira de fazê-lo. Felizmente, nossos filmes são bem sucedidos e nós não temos que explorar sequências por dinheiro. Não é isso. São ideias que despertam o entusiasmo,” defende Morris. “Creio que vai ser um filme muito bom. Honestamente, pensamos que não poderíamos fazer outro, mas nas reuniões que fizemos, Andrew Stanton, Pete Docter, Lee Unkrich e John Lasseter tiveram essa ideia. Para John, parecia irresistível a necessidade de fazê-la.“
Os longas-metragens que sucederam o lançamento de “Toy Story 3” não ajudam a sustentar as afirmativas de Lasseter e Morris. Nos agregadores de críticas, “Universidade Monstros” (2013) e “Valente” (2012) figuram como segundo e terceiro piores colocados, respectivamente. A animação situada na Escócia aparece na última posição, ao se analisar todos os dez filmes originais da casa, atrás apenas de “Carros” (2006), cuja direção e roteiro também são assinados por John Lasseter.
Somente a franquia “Toy Story” equivale a US$1.9 bilhão, isto é, as aventuras de Woody e Buzz representam cerca de 23% do montante final nas bilheterias (US$8.510 bilhões). Somados, os quatro longas baseados em ideias anteriores correspondem a um terço da arrecadação total ao redor do globo terrestre. Assim, justifica-se a necessidade de lançá-los a cada dois anos, afinal, as contas precisam ser pagas de alguma forma para que os projetos inéditos possam sair do papel.
É evidente o esforço de todos os funcionários em apagar essas manchas na reputação. “The Good Dinosaur“, por exemplo, estava agendado originalmente para chegar aos cinemas em 27 Novembro de 2013, porém fora adiado para 30 de Maio de 2014. Bob Peterson, o diretor original, deixou o cargo devido a problemas criativos e foi substituído por Peter Sohn, a fim de que todo o projeto fosse repensado e melhorado. A data de estreia agora é 21 de Janeiro de 2016, no Brasil. “Divertida Mente” (09 de Julho de 2015) parece ser o primeiro passo rumo à aclamação novamente.
A questão mais importante é: havia necessidade real de retornarem os brinquedos para as telonas? Não. A série de curtas com os personagens teve um bom episódio inicial e sofreu uma queda veloz na qualidade nos demais, com soluções apressadas e bruscas. E os especiais para a televisão – um de Dia das Bruxas e outro de Natal – não passaram de uma roupagem diferente do que fora apresentado nos cinemas. A sensação que prevalecia era de fatiga e de um grande desgaste, tanto das ideias quanto dos bonecos.
Há muitos pontos favoráveis e desfavoráveis a serem observados. Lasseter realizou um trabalho excepcional ao pavimentar o caminho do sucesso quando dirigiu “Toy Story” (1995), “Vida de Inseto” (1998) e “Toy Story 2” (1999), contudo parece ter perdido o toque de magia durante o intervalo entre esse e “Carros“. A julgar por seus projetos recentes na liderança, as expectativas não são boas, mas ganha o benefício da dúvida pelos três primeiros exemplares.
Uma nova sequência após um esgotamento das ideias originais sob o comando de John Lasseter não aparenta ser a melhor das hipóteses, no momento. Todavia, talvez haja esperança. Rashida Jones e Will McCormack foram escolhidos para trazer sangue novo à saga – e um dos sinais disso é que o chefe criativo do estúdio pretende dar mais espaço às personagens femininas, dando mais voz a elas, e para isso, precisava de uma mulher forte as representando. “Eles [Jones e McCormack] têm um grande senso de personalidade e originalidade. E eu queria uma voz feminina forte escrevendo isso,” salientou.
“Algo muito importante para mim como artista é continuar dirigindo. Quando eu dirijo, posso trabalhar individualmente com os artistas, os animadores,” completa. Além de supervisionar criativamente o Pixar Animation Studios, Lasseter também é responsável pelo Walt Disney Animation Studios e pelo DisneyToon Studios e, nos próximos anos, irá dividir seu tempo em trabalhar na sequência e visitar os estúdios. Seu apoio será os story trusts, grupos de diretores e animadores veteranos, os quais auxiliarão a guiar os filmes no processo de desenvolvimento.
Galyn Susman (“Férias no Havaí“, “Toy Story de Terror“, “Toy Story: Esquecidos pelo Tempo“) é a produtora. Essa inclusão de pessoas novas à equipe pode vir a ser benéfica trazendo um frescor, a exemplo do próprio Lee Unkrich, diretor do terceiro e que, anteriormente, havia atuado como co-diretor em “Toy Story 2“, “Monstros S.A.” (2001) e “Procurando Nemo” (2003); ou pode se tornar uma rachadura na estrutura. Como manda o ditado popular: às vezes, é melhor parar enquanto se está ganhando. O tempo dirá qual das duas opções irá se concretizar.
Restam ainda dois anos, “Toy Story 4” chega aos cinema nacionais somente em 06 de Julho de 2017, logo é muito cedo para formar qualquer julgamento concreto. Pelo ponto de vista criativo, não há motivos para revirar e reiniciar uma trilogia tão bem finalizada. No entanto, como decidiriam tocar naquilo que era intocável, espera-se que o façam com a dignidade necessária, porque será uma tarefa árdua e ingrata fazer jus ao legado do primeiro longa-metragem de animação a cruzar a marca de US$1 bilhão nas bilheterias. Então, ao infinito e além?