Animações não são apenas personagens coloridos e músicas grudentas. Animações não são apenas para crianças. Animações contam grandes histórias e possuem o poder de mudar vidas. Um ano depois da estreia nos cinemas, revisitamos Procurando Dory (2016) para debater um de seus principais e mais importantes pontos: a aceitação do diferente.
Quando nós conhecemos a peixinha em Procurando Nemo (2003), há catorze anos, ela era uma personagem coadjuvante e servia para trazer humor e aliviar as cenas mais dramáticas e tensas do longa-metragem. Mas Dory acabou caindo nas graças do público e se tornou um dos mais importantes ícones do Pixar Animation Studios, a ponto de ganhar um filme focado em sua história.
Uma história, acima de tudo, de aceitação de seu potencial, de seu valor e de suas dificuldades. Andrew Stanton, diretor de ambos os filmes, disse que a ideia de produzir a sequência partiu da vontade de resolver os conflitos de Dory, tanto a questão da perda de memória recente e os medos e inseguranças gerados por ela, quanto das origens biológicas da personagem.
“Nunca pensei [na perda de memória recente] como uma incapacidade, embora seja uma palavra perfeita para isso. Eu vi como uma singularidade dela, sabe?,” revelou Stanton ao Slash Film. “E ela vê isso como um defeito, como algo para ser compensado. Ela não confia nisso e ela pensa que vai causar problemas para ela mesma.“
“Talvez seja a razão pela qual ela se tornou tão amigável, prestativa, engraçada e cheia de ideias. São todas as coisas que fazem alguém mantê-la por perto. Ou ela vai abandonar alguém, ou ela vai se esquecer, ou vão se cansar dela. E eu sabia disso desde o primeiro dia no qual a imaginei. E por esse motivo, eu sempre a vi como uma personagem trágica,” continua.
“Porém, eu não queria que ela se sentisse assim. Eu queria que ela reconhecesse e amasse o que todo mundo ama na personalidade dela. Todo mundo pensa nela, mesmo depois de tanto tempo. Eu sabia que, lá no fundo, ela não acreditava nisso. E muitas pessoas possuem algo nelas mesmas que enxergam como um defeito e que nunca conseguiram mudar,” explica o diretor.
Segundo Stanton, essas peculiaridades, muitas vezes, não podem ser modificadas, conquistadas ou descartadas, mas podem se tornar um recurso valioso. “Acredito ser uma coisa universal. Funciona para incapacidades, para deficientes, mas também funciona para quem se enxerga como imperfeito. E eu gostei disso,” diz.
Com a modificação para protagonista, um novo leque de possibilidades foi aberto e toda a complexidade da personagem, a qual inúmeras vezes passou despercebida, ganhou ainda mais destaque. Dory nos ensinou lições valiosíssimas no primeiro longa-metragem, mas também nos ensinou tantas outras na sequência, talvez até mais importantes.
E a primeira dessas lições é a necessidade de falarmos sobre incapacidade e deficiência. O primeiro diálogo de Procurando Dory mostra a peixinha ainda bebê e seus pais, Jenny e Charlie, ensaiando uma pequena apresentação, a fim de ressaltar essa limitação da personagem. A partir dessa exteriorização, as outras pessoas – ou no caso, peixes – começam a entendê-la e podem ajudá-la.
Já cientes de suas dificuldades, os pais e os amigos de Dory estão aptos a encontrar meios e alternativas para auxiliar, motivar e impulsionar, assim como criar nela a vontade de ajudar a si mesma e tentar se adaptar. Essa questão pode ser exemplificada pelas conchas roxas. Por ser o item favorito de sua mãe, as conchas passaram a servir como uma espécie de guia para Dory voltar ao lar.
Outra lição essencial é a valorização das demais habilidades de quem sofre de alguma deficiência. Conforme Stanton observou, devido à perda de memória recente, Dory desenvolveu uma grande variedade de outras qualidades, entre elas o carisma, a coragem, a ousadia e a curiosidade. Tais qualidades ajudaram a peixinha encontrar maneiras criativas de seguir em frente e superar adversidades.
Isso fica evidente quando Nemo pede ao pai para pensar como Dory e mudar a sua percepção da situação. Dory tem uma limitação real, mas buscou modos de extrapolá-la, enquanto Marlin acabou se confinando por conta do temor constante. Ao pensar como a amiga, Marlin se permite deixar de lado o conforto da segurança, para arriscar e experimentar coisas novas, reconhecendo como havia sido injusto com Dory.
Vemos essa valorização também no relacionamento de Dory com seus pais. Embora Jenny e Charlie sempre tenham se preocupado com a filha, eles buscaram incentivar e estimular os demais potenciais dela, como nunca desistir e sempre procurar outra solução, criando uma canção motivacional, ou a sua capacidade de se lembrar dos pais, ainda que viesse a se esquecer deles.
Dory nos ensina que ser diferente não é ruim e as nossas imperfeições não nos fazem piores do que ninguém. Essas peculiaridades, sejam físicas, mentais ou quaisquer outras, tornam cada um de nós únicos e especiais. E quanto mais buscarmos informações e tentarmos entender o outro, melhor o mundo será. Dory nos ensina que continuar a nadar é sempre a melhor opção.
De repente, Dory (voz original de Ellen DeGeneres), a esquecida peixinha azul, lembra que tem uma família que pode estar procurando por ela. Então, junto com Marlin (voz original de Albert Brooks) e Nemo (voz original de Hayden Rolence), eles partem em uma busca para encontrá-los. Eles contam com a ajuda de Hank (voz original de Ed O’Neill), um polvo rabugento; Bailey (voz original de Ty Burrell), uma baleia beluga convencida que suas habilidades biológicas de sonar não funcionam e Destiny (voz original de Kaitlin Olson), um tubarão-baleia míope!