Há mais de quarenta anos, os Muppets fizeram a sua estreia na televisão. De lá para cá, o mundo mudou. A tecnologia se tornou uma parte indispensável de nossas vidas. O modo de se fazer e ver televisão também mudou completamente. E as próprias criações de Jim Henson também. The Muppets, seriado que estreou na última terça-feira, 22 de Setembro, nos Estados Unidos, veio nos mostrar isso.
Durante toda a divulgação, os criadores Bill Prady e Bob Kushell promoveram a série com base na afirmação de que esses não são os Muppets da sua avó. E a julgar por esse primeiro episódio, os personagens estão bem mais ácidos e irônicos. Porém, de forma alguma, significa que eles perderam a sua essência ou agora seu público-alvo será os adultos. Não, os Muppets continuam com a mesma capacidade de atingir diferentes faixas etárias.
Por se tratar de um programa no horário-nobre, em um mundo bem mais cínico do que quando The Muppet Show (1976-1981) estreou, a forma como os personagens fazem humor teve de ser adaptada. Na verdade, ela sempre existiu, mas estava em segundo plano. As piadas mais adultas ganham destaque enquanto aquele humor físico e pastelão sai um pouco do foco. Há referências à cultura gay, às reuniões anônimas, ao sexo, e às cirurgias plásticas das celebridades.
Sam, a Águia, surge como guardião dos bons costumes, listando quais palavras são inapropriadas para a televisão, e isso inclui “inferno” e “gesticular”. Prady e Kushell trabalham esse lado mais sério de modo sutil, apenas para o público maduro o suficiente compreender. É um humor destoante dos últimos filmes, Os Muppets (2011) e Muppets 2: Procurados e Amados (2014), afinal a série é exibida em um horário no qual as crianças deveriam estar dormindo ou se preparando para isso.
A dupla, então, aproveita para abusar da metalinguagem, um recurso amplamente usado pelos fantoches. Kermit e companhia quebram a quarta parede através das entrevistas individuais, que Gonzo diz ser um péssimo/ótimo artifício, sob o pretexto de serem parte do documentário com os bastidores de Up Late with Miss Piggy, programa noturno de entrevistas produzido pelos Muppets e estrelado pela Miss Piggy, obviamente.
The Muppet Show era uma grande sátira aos programas de variedades dos anos setenta e The Muppets toma emprestada essa qualidade para criticar as séries em estilo mockumentary (falso documentário) e os talk shows, em uma época com uma programação televisiva repleta dos dois gêneros. Assim, Statler e Waldorf, nossos amados críticos de plantão, aparecem com comentários certeiros, seja para desprezar as piadas repetidas de Fozzie ou o programa de Piggy.
Grande parte desse primeiro episódio é voltada para o relacionamento – ou melhor, o fim dele – de Kermit e Miss Piggy e como isso afeta a dinâmica dos bastidores. A cena do término dos dois é cruel para quem acompanha e torce para a felicidade dos dois. Piggy e Kermit formam aquele casal problemático, cheio de idas e vindas, e como bem sabemos, ficarão juntos novamente. Talvez não nessa temporada, pois Kermit já engatou um namoro com outra porquinha, Denise.
Embora a dupla de roteiristas faça um bom trabalho equilibrando os diferentes tipos de comédia, personagens e história, há um exagero nas informações passadas para o público. A trama de Fozzie e sua namorada humana acaba se perdendo no decorrer dos eventos e poderia ter sido guardada para ser melhor explorada no próximo capítulo, dando mais atenção às participações da atriz Elizabeth Banks e da banda Imagine Dragons.
Como se trata de uma série com apenas meia hora de duração, tantas informações e participações especiais podem afugentar os espectadores. Ao contrário de The Muppet Show, que trabalhava com esquetes, tudo precisa estar em harmonia para criar um resultado agradável e mais coeso. Há várias frentes a serem desenvolvidas. O programa de Piggy, os bastidores, as entrevistas e todas as tramas precisam funcionar organicamente, sem excessos, e não de modo separado.
Um dos pontos altos de The Muppets é a combinação de direção e fotografia. Ainda que o orçamento seja limitado em comparação às produções cinematográficas, o visual é excelente. A equipe fez um ótimo trabalho utilizando ângulos de câmera e iluminação, para criar a sensação de que os Muppets são reais em vez de simples marionetes. A cena sem cortes em que Miss Piggy e Kermit caminham pelo escritório ilustra essa exímia colaboração.
No entanto, nessa equação, deixaram de escanteio algo inerente aos Muppets: o otimismo. Onde está aquele sapo com uma visão otimista da vida e que cantava “Conexão do Arco-íris“? Seria uma consequência do fim do relacionamento com Piggy? Por mais que seja interessante ver um lado mais adulto, esses personagens nos conquistaram pela pureza, pela inocência e pelo encanto com que enxergavam o mundo. Sem esse elemento, perde-se um pouco do sentido.
Enquanto existir sapos cantores, ursos comediantes, chefes suecos e peixes bumerangues, o mundo não pode ser um lugar tão ruim. Os Muppets representam esperança, e portanto, esperamos que os próximos episódios tragam um equilíbrio entre essas duas facetas, até como forma de escapismo dessa realidade hipócrita. Quem sabe, ao final, possamos dizer que esta é a mais fantástica, acrobática, mais bombástica e simpática série dos Muppets.
Obs. #1: Onde está Walter? Eles não fizeram um filme inteiro sobre a entrada dele para o grupo?