NA LOCAÇÃO
Cineastas Viajam pela Escócia e Criam Cenários, Árvore por Árvore
Escócia: árvores de todos os formatos e tamanhos pontuam um exuberante cobertor de folhagem ─ relvas indomadas, musgo e líquen misturam-se à terra natural ─ tudo embaçado por uma camada prateada de névoa que abre caminho através da floresta e encobre um extenso lago. Rochas de formatos peculiares interrompem o rico pano de fundo, e penhascos escarpados dão espaço a intimidantes paisagens marinhas logo abaixo. A vista ─ apreciada por gerações das janelas dos castelos ─ inspirou a imaginação de muitos contadores de histórias ao longo dos séculos, incluindo os da Pixar Animation.
“Eu sou de descendência escocesa. Minha mulher e eu fomos lá em nossa lua de mel e passamos um mês explorando as Highlands. A Escócia é repleta de mitos e lendas. É um lugar mágico, montanhoso e majestoso. As cores são escuras e inconstantes e, ao mesmo tempo, vivas e alegres, tudo graças ao clima louco.”
~ Mark Andrews, diretor
“Podia estar chovendo que a gente nem ligava porque é tão bonito”, acrescenta a produtora Katherine Sarafian. “Então, sem mais nem menos, fica ensolarado ─ e tem uma névoa. É um daqueles lugares que prende a gente, as pessoas são calorosas e generosas, e a paisagem é absolutamente dramática. Ela te atrai. É quase mística. Você quer fazer parte do ambiente.” A diretora Brenda Chapman, que também tem ligações familiares com a região, concorda.
“A Escócia é selvagem e montanhosa com rochas, montanhas, árvores e vales ─ mas há algo crescendo em tudo ─ há uma suavidade. O ambiente, na verdade, me remete a Merida – esta perfeita, mas complicada, mistura de dureza e suavidade.”
~ Brenda Chapman, diretora
O amor coletivo dos cineastas pela terra e suas ligações pessoais com a Escócia tornaram a Escócia uma escolha fácil para ambientar Valente. Mas isso não significou que não havia trabalho a ser feito. “Pesquisa é realmente uma parte muito importante do processo criativo da Pixar”, diz Sarafian.
EXPLORANDO A ESCÓCIA
A equipe por trás de Valente buscou os melhores locais em que esta aventura épica de ação se passaria. A viagem inicial de pesquisa ocorreu durante o final do verão de 2006; eles voltaram à Escócia em outubro de 2007. “Nós mergulhamos fundo na cultura e na narrativa”, diz Sarafian. “Nós conhecemos pessoas e conversamos com elas. Nós comemos como as pessoas de lá, ficamos imersos na paisagem, vivenciamos o clima e sentimos como ele muda o tempo todo.”
“As pessoas são hospitaleiras, acolhedoras e amistosas, e elas, de imediato, recebem você muito bem. Eles todos são fabulosos narradores. Eu nunca estive tão empolgado e eletrizado por contos heroicos e histórias de fantasmas. Uma das coisas que realmente queríamos enfatizar em Valente (Brave) era que cada personagem é um contador de histórias e que cada locação tem uma história.”
~ Mark Andrews, diretor
Eles visitaram localidades que são marcos em Edimburgo, andaram pela Royal Mile e se esbaldaram comendo haggis ─ um bolo feito de miúdos de carneiro ─ coração, fígado e pulmão. Os cineastas foram ao Lonarch Highland Gathering and Games e ao Braemar Gathering para informar aos Jogos Highland sobre o concurso de arco e flecha que eles queriam criar para Valente. Eles também visitaram o Museu Nacional da Escócia onde estudaram sobre diversas armas, tecidos e outros adornos para garantir uma dose de autenticidade no filme.
“Nós passamos muito tempo nas Standing Stones of Callanish [na ilha de Lewis]”, conta a produtora Sarafian. “O local parecia ser o cenário perfeito para algo importante acontecer na história. As pedras formam um círculo perfeito em um grande penhasco exposto, com o céu como pano de fundo ─ é muito surpreendente. Você não consegue se afastar delas. Nas duas viagens foi realmente difícil conseguir trazer os artistas de volta para o ônibus.”
Diversos castelos serviram como referência para o castelo da família DunBroch, mais notadamente o Eilean Donan Castle nas Highlands e o Dunnottar Castle, localizado ao sul de Stonehaven, em Aberdeenshire. Dunnottar, as ruínas de uma fortaleza medieval que se acredita ser do século 15 ou 16, desencadeou uma mudança crucial nos planos dos cineastas. Eles pretendiam ambientar o castelo da família do filme em um lago no alto das Highlands, mas inspirados pela dramática localização de Donnottar, decidiram mudá-lo para um local no mar.
O GlenAffric, localizado no sudoeste do vilarejo de Cannich na região das Highlands da Escócia, contém uma das maiores florestas de pinheiros caledonian do país, assim como lagis, charnecas e montanhas. Para os cineastas, ansiosos para absorver seus encantos e misticismo, foi magia pura. “É realmente ótimo estar lá e respirar o ar puro gelado e sentir o vento no seu rosto”, diz o desenhista de produção Steve Pilcher. “O musgo na Escócia era espetacular. Quando você enfia a mão no musgo, ela literalmente afunda uns 30 centímetros e volta como se fosse uma esponja. A urze nas colinas é selvagem, ainda que tenha uma certa característica feminina. Em contrapartida, todas as rochas tinham característica acidentada, particularmente na floresta.”
“Parecia haver um filtro verde sobre nós”, acrescenta Tia Kratter, diretora de arte de sombreamento e tonalidade. “O sol passava através desse filtro e tudo ficava banhado de luz verde. Então se eu tivesse que descrever a Escócia com uma única palavra, talvez ela fosse verde.”
Mas Kratter, cujo trabalho envolve determinar cores e texturas, percebeu uma paleta mais ampla à sua volta também. “A urze tinha uma coloração lavanda, roxa, meio magenta. E estava por toda parte ─ apesar de termos descoberto que ela só floresce um mês durante o ano, então a gente deu muita sorte.”
Pilcher, como todo mundo na Pixar, é muito ligado na história. “O tom e a emoção direcionaram o visual do filme. E o tom e a emoção são direcionados pela história. É muito importante lembrar esses detalhes da nossa viagem à Escócia, e encontrar formas de colocá-los no filme para enriquecer a história e torná-la mais autêntica.”
“Nós tiramos fotos e fizemos vídeos, esboços, escrevemos histórias e mantivemos diários”, diz Sarafian. “Trouxemos tudo de volta, carregamos no computador e começamos a nos perguntar: ‘Que terra é esta?’, ‘Quem são essas pessoas?’ e ‘Como isso se encaixa na história que queremos contar?’ Trabalhamos muito para dar vida à magia, beleza e robustez da Escócia no filme através do desenho de produção, cenários e ambientes.”
CRIANDO RAÍZES
Diferentemente de cineastas de filmes live-action, a equipe de Valente não retornou à Escócia depois para capturar esses detalhes, nem procurar áreas parecidas para que servissem como o cenário escocês que eles desejaram ─ em vez disso, artesãos, técnicos e visionários se reuniram no estúdio da Pixar na região norte da Califórnia e passaram a desenhar e construir árvore por árvore do que viria a se transformar em um elaborado cenário sem precedentes.
“Valente tem uma complexidade visual que está em um novo patamar ─ até mesmo para a Pixar”, diz Sarafian. “Não há nada fácil neste filme. Nós elevamos o visual, elevamos nossa tecnologia e nossos artistas às alturas.”
Pilcher aceitou o desafio. “Eu adoro natureza e fantasia e adoro esses dois elementos juntos”, diz ele. “Eu gosto particularmente da natureza quando é permitido ser livre ─ quando ela é realmente selvagem ─ e o mistério, a história e o misticismo que a acompanham. Eu realmente quis capturar a paleta de cores e a característica tátil do que nós vimos na Escócia.”
“O que eu adoro em animação ─ na arte toda ─ é que é possível amplificar a realidade”, continua ele. “Nós queremos que o público a sinta mais do que sentiria na vida real. Nós podemos tomar liberdades com forma, cor e textura e fazer algo maior. A fantasia nos permite fazer isso.”
Para Kratter, o visual de Valente ─ sua sofisticada paleta de cores e foco na natureza ─ mostra quanto a história é original. “O último filme em que trabalhei como diretora de arte de sombreamento e tonalidade foi Carros”, diz ela. “Era tudo em cores brilhantes, liso com brilho e superfícies esmaltadas. Os ambientes de Valente são de cores sutis, escuras e encorpadas ─ predominantemente verde com os tons secundários de violetas e lavandas. Nada é brilhante, tudo é envelhecido e com muita textura.”
Criar essa textura é a especialidade de Kratter, quer ela esteja trabalhando em figurinos, bolos ou assoalhos de castelos. “Pode começar com uma pintura, uma escultura, um pedaço de seda, um pedido de uma padaria ou uma grande peça de lajota”, diz ela. “Meu escritório acaba parecendo o de um aderecista de um filme live-action ─ livros de pesquisa e muito lixo acumulado.”
Kratter faz experiências com materiais reais ─ de tecidos pintados à colocação de coberturas em formas de espuma ─ para pesquisar e explorar o visual certo para o filme. Mas nem sempre é fácil. “Uma das coisas que descobrimos enquanto estávamos na Escócia foi que havia muitas e muitas camadas”, segue dizendo Kratter. “Há camadas de vegetação em rochas, árvores e castelos.”
Cada árvore teve que ser criada ─ múltiplas versões de bétulas, sorveiras, pinheiros escoceses ─ e incluída em um catálogo de ativos com rochas e troncos e tudo que se pode encontrar em um cenário de floresta antes que a composição pudesse ser criada, o que envolveu ainda mais camadas.
Kratter diz que as regras da natureza também se aplicaram aos personagens do filme ─ implementando uma variedade de texturas, padronagens e camadas para ilustrar a conexão entre os personagens e a natureza.
De acordo com Pilcher, essa conexão não foi por acaso. “Eu sempre disse que os sets, o segundo plano e o ambiente do filme compõem o seu melhor ator coadjuvante”, diz ele. “Isso é muito poderoso se você fizer da forma certa. E Walt Disney nos mostrou isso. O segundo plano em filmes como Pinóquio e Bambi ─ a forma como os personagens se conectam com os cenários ─ funciona, de forma sutil, para dar apoio ao tom do filme e aos personagens, complementando-os. Quando acontece algo dramático com os personagens, a iluminação pode mudar de forma a afetar completamente a interpretação que o público faz daquela cena. É tudo coeso. O grande lance sobre essa forma de arte é que ela tem movimento e todos esses elementos trabalham juntos para criar mais impacto emocional.”
“No fim das contas, quando acabamos de assistir a um filme o que fica são apenas memórias”, continua Pilcher. “Nós não saímos com um livro, uma pintura ou uma foto. Nós levamos uma coleção de imagens em nossa mente. Quanto mais fortes elas forem, melhor foi o trabalho que fizemos. Se você sai e diz: ‘Uau, aquilo era a Escócia. Não tem nenhum filme como este’, então teremos transmitido bem a nossa mensagem.”
Natural da Escócia e fazendo a voz do Rei Fergus, Billy Connolly elogia a equipe de produção. “Os cineastas realmente capturaram o espírito da Escócia. O esplendor dos cenários a tornam instantaneamente reconhecível, bela e muito dramática”, diz Connolly. “Há uma encantadora luz na Escócia que não se vê em nenhum outro lugar além, talvez, da Irlanda. É um tipo de luz líquida que aparece ao anoitecer. É um país mágico.”
Gordon Cameron, um dos poucos nascidos na Escócia que trabalham na Pixar e supervisor de tecnologia global de Valente, fez a seus colegas cineastas muito elogios pelo trabalho de capturar o sabor de seu país.
“Se tivéssemos feito o filme na Escócia, não teria ficado mais autêntico”, diz Cameron. “As pessoas aqui realmente se preocupam com os detalhes, a vegetação, o clima e o modo como a boca dos personagens se movimenta quando estão falando um dialeto escocês. Tem sido realmente incrível. Eu me sinto quase menos escocês do que muitas pessoas da equipe.”
“O modo como Brenda e Mark escreveram os personagens realmente parece verdadeiro”, acrescenta ele. “Eles não só parecem verdadeiros como escoceses; eles parecem verdadeiros como personagens, e as peculiaridades de serem escoceses estão refletidas nas características e singularidades do personagem, e na forma como eles falam.”
Kevin McKidd, que cresceu na Escócia e empresta sua voz para o Lorde MacGuffin e para o Jovem MacGuffin, diz que o filme realmente reflete sua terra natal ─ e mais. “O incrível ao assistir a Valente é que o filme consegue reunir a sensação da Escócia. Quando você vai a Escócia, o vento sopra, o mar se agita, e tudo fica coberto de musgo e xaxim e está sempre em movimento. É uma paisagem muito texturizada ─ você vê isso no filme. Tudo parece muito real e vibrante. Eles realmente capturaram a textura exuberante e rugosa, a natureza primitiva das paisagens escocesas de uma forma bela. Eles fizeram a Escócia melhor do que a Escócia.”
ELEVANDO O NÍVEL
Equipe de Animação da Pixar Inova… Outra Vez
Ao longo de 26 anos e 12 filmes inovadores consecutivos, o Estúdio Pixar Animation estabeleceu um alto nível para a arte da computação gráfica, consagrando seus membros como mestres cineastas e contadores de histórias.
“Em Valente“, diz o diretor Mark Andrews: “Nós realmente fomos além em termos de cinegrafia, iluminação e fotografia. Encontramos novas formas de criar texturas e levamos personagens humanos a outro nível. O filme tem sutilezas sem precedentes em suas atuações.”
Sob o comando dos supervisores-animadores Alan Barillaro e Steven Hunter, com grande apoio dos diretores-animadores Kureha Yokoo e David DeVan e de uma equipe de mais de 80 animadores, os desempenhos em Valente deram um salto em termos de nuance, credibilidade e empolgação. Para a preparação para este trabalho, a equipe de animação praticou luta de espada, teve aulas de arco e flecha, vestiu kilts, montou a cavalo, visitou o zoológico, ouviu palestras de um especialista em sotaque escocês, analisou filmes icônicos e contemporâneos ambientados na Escócia, e assistiu a documentários sobre ursos e cavalos. O próprio diretor Mark Andrews deu aulas duas vezes por semana de luta de espada. As análises das animações diárias muitas vezes terminavam com um convite para pegar a espada e encenar uma cena do filme, movimento por movimento.
“Esta é a produção mais difícil que já fizemos, como animadores”, afirma Barillaro. “Cada personagem é muito complexo, e há uma credibilidade que nós queríamos e de que a história precisava. Embora os desenhos sejam caricaturados, você quer acreditar neles, sentir que correm perigo. Este filme tem um nível de interação entre os personagens e o ambiente que nós nunca tentamos antes. Com ambientes tão exuberantes, nós sabíamos que tínhamos que ter personagens interagindo com tudo. É um mundo tátil, e nós não tivemos limitações na abordagem deste filme.”
A equipe de animação trabalhou bem próxima dos desenhistas, modeladores e técnicos de personagens bem como dos artistas de simulação a cada passo do processo. Eles forneciam dados para garantir que seriam capazes de alcançar uma ampla gama de ação e emoção que o desempenho do personagem exigia para dar vida à história dinâmica.
A equipe do supervisor técnico e modelador de personagem Bill Sheffler criou 10 personagens principais, 20 coadjuvantes e dorsos de 100 figurantes (que podem ser duplicados nas cenas de multidão). “Uma personagem como Mérida”, explica Sheffler, “tem milhares de controles e cinemáticos inversos complexos [um conjunto que permite que os animadores controlem movimentos macro como uma mão ou um braço através de cálculos complexos] que nós nunca tínhamos visto. Há mais montagem complexa facial e nós fazemos tudo com um novo software que foi desenvolvido internamente. Isso tornou nosso trabalho muito mais difícil, mas permitiu que os animadores fossem mais sutis do que nunca em seus desempenhos.”
“A sutileza da atuação de Mérida e sua mãe tornou o filme muito desafiante para os animadores deste filme”, explica Hunter. “Há uma delicadeza agregada ─ uma ligeira sacudidela de cabeça de forma errada pode estragar tudo. A atenção aos detalhes e a manutenção dos personagens como eles devem ser foi incrivelmente difícil.”
“Além de toda a ação, é um filme muito emotivo”, acrescenta Barillaro. “E você quer que esse aspecto seja sentido. O legal na Pixar é que se não está certo, nós fazemos de novo. Temos um sentimento de orgulho em fazer as coisas da forma certa e vamos nos aperfeiçoando até acreditarmos no que fizemos. É fácil dizer isso, mas também muito difícil de fazer.”
“Nós buscamos inspiração nos diretores e nos atores”, continua Barillaro, “mas em última análise, o desempenho físico vem dos animadores. Nós fazemos videotapes de nós mesmos e depois transformamos em caricaturas. Dá muito certo quando você coloca um pouco de si mesmo junto com outros elementos.”
Animar os sotaques escoceses também provou ser outro desafio único. Um linguista foi trazido à Pixar para ajudar no processo. “Isso realmente nos deslumbrou”, recorda Hunter. “Fez-nos prestar atenção ao lugar de onde vem o som e no formato dos lábios. Ele vem de trás da garganta ou da frente? É glotal ou é na ponta da língua? Bem quando achávamos que tínhamos acertado, Mark dizia: ‘Não, não, o som está vindo mais do lado da boca’. E nós tínhamos que forçar para sair pelo lado.”
Para a animação dos trigêmeos travessos, os animadores se inspiraram observando os próprios filhos. O filho de 6 anos do diretor-animador David DeVan, Henry, recebeu passe livre no estúdio para fazer o que quisesse de modo que todos os seus movimentos pudessem ser observados. “Ele simplesmente correu pelo átrio e começou a subir nas coisas”, diz Hunter. “Nós logo soubemos que o que estávamos fazendo estava errado. Vendo uma criança com aquela energia ─ o quanto ele se divertia com algo tão simples como sentar numa cadeira ─ foi uma revelação.”
“Mark falava muito sobre ir fundo em cada sequência em um nível pessoal”, acrescenta Barillaro. “Para a cena com Mérida e Elinor, por exemplo, ele nos disse para pensar em nossa mãe ou filha ou em uma adolescente que conhecemos e buscar a dinâmica na tela, e como você se sentiria se fosse Mérida ou Elinor. Nosso objetivo era garantir que o público sentisse os dois lados do relacionamento.”
Outros animadores especializaram-se em animação de animais como Mor’du, o urso demoníaco, e Angus, o majestoso cavalo de Merida. Andrews gostava de chamar esses especialistas de “Lordes Ursos” ou “Lordes Cavalos”. O diretor animador Kureha Yokoo, que praticou equitação a vida toda, incluiu dois outros dedicados cavaleiros, Kevin O’Hara e Jessica Sances, para trabalhar em algumas cenas-chave com os cavalos. Dovi Anderson, um animador de origem escocesa, e Jean-Claude Tran, eram dois dos “Lordes Ursos”.
Outro aspecto inédito para a equipe de animação foi sua habilidade de fazer a marcação da simulação de cabelo e roupas enquanto estavam animando. Isto permitiu a eles levar em conta como o cabelo, a roupa ou o pelo poderia reagir ao movimento do personagem enquanto faziam a animação, em vez de ver depois, o que resultou em um desempenho melhor e mais coeso.
“Acertar o cabelo era um equilíbrio entre a física e o lado artístico de onde o cabelo precisava estar para a pose, o aspecto estético, gráfico e para o desempenho”, explica Barillaro. “Nós precisávamos saber qual era a verdadeira física do movimento. Então, nós nos víamos na difícil situação de decidir o que é real e o que ficava melhor visualmente. Os animadores precisam ter consciência de onde o cabelo estará e como o corpo irá interagir com ele.”
CAMADA POR CAMADA
Guarda-roupa de Valente utiliza técnicas contemporâneas para criar visual antigo
Um dos maiores desafios de Valente foi criar o guarda-roupa que refletisse os trajes e as texturas dos tempos antigos e do cenário escocês. Mas este elenco de personagens tinha necessidades que nunca foram feitas em computação gráfica. “Boo veste camiseta e legging em Monstros S.A.”, diz Katherine Sarafian, produtora de Valente. “E a Mãe usa calça bem justa em Toy Story 2. Era o que conseguíamos fazer à época. Em Valente, o Rei Fergus tem oito camadas ─ malha de metal, armadura, diversas camadas de kilt, um cinto, uma bainha para sua espada até um manto de pele de urso. Merida tem que conseguir cavalgar com sua saia e ainda atirar flechas. Tudo isso tem que ser programado no computador para que cada camada se movimente como deve e interaja com as outras camadas. Mas nossa equipe conseguiu através de tecnologia nova, software novo e artistas incríveis.”
O desenho de figurino em animação é surpreendentemente parecido com o do live-action, exceto com relação a padronagens, ajustes e costuras que são feitos no computador. Cada visual começa com uma série de esboços que são baseados pela história ─ a personalidade de um personagem, a posição social, o papel na cena e outros detalhes são levados em consideração no desenvolvimento de uma peça do vestuário. Fergus é um guerreiro que tem uma conta a acertar com o urso que arrancou sua perna, então malha de metal, armadura e um manto de pele não só são muito adequados para este personagem como as roupas dele ajudam a descrever sua personalidade.
Sarafian diz: “Em Valente a roupa era muito importante na definição dos personagens e para capturar a sensação da Escócia. Nós queríamos ter uma textura rugosa da terra e as muitas camadas de vestuário que eram comuns na época”.
Colin Thompson, supervisor de sombreamento e tonalidade de personagem do filme, e Tia Kratter, que supervisionou as cores e texturas como diretora de arte de sombreamento e tonalidade, chefiaram os trabalhos para criar as roupas e texturas. Kratter, trabalhando em sintonia com o desenhista de produção Steve Pilcher, fez um enorme trabalho de pesquisa para determinar como um traje específico ou uma padronagem seria. A equipe de Thompson, então, inseria as qualidades desejadas e ajustava para o personagem.
“Quando fizemos nossa viagem de pesquisa à Escócia”, diz Kratter, “vimos que tudo era ricamente disposto em camadas. Você põe a mão no musgo e ela cada vez afunda mais. Nós pegamos esta ideia de camadas na natureza, como a vegetação nas rochas e na floresta e inserimos no visual dos personagens. Fergus, por exemplo, tem muitas e muitas camadas de roupas em uma variedade de texturas, padrões e tecidos, que inclui muito couro e lã.”
“Nós fizemos algo neste filme que nunca havíamos feito antes com relação ao visual das roupas”, diz Thompson. “Philip Child [sombreamento e pintura de personagem] criou um novo programa que mapeia os trajes como um globo com linhas de latitude e longitude. Baseado nisso, nós podemos tecer curvas dentro e ao redor de cada um. Funcionando como um desenhista têxtil digital ou alfaiate, o computador consegue pegar os desenhos de Tia e criar texturas como juta, quadriculado, ziguezague. Era importante para os cineastas que conseguíssemos as texturas certas, com toda a rugosidade e aspereza necessárias.”
“Nós descobrimos que fazer roupas com aspecto caro como seda no computador é realmente fácil, mas criar tecido como juta é incrivelmente difícil”, acrescenta Thompson.
Para criar o traje real para Rainha Elinor, Kratter fez experiências com diferentes tipos de tecidos e ornamentações. “O tecido de seu vestido é feito em uma trama de seda delicada que na verdade é incrivelmente forte, como Elinor”, diz Kratter. “Eu peguei a seda e a pintei com tons metálicos ─ é quando o meu trabalho fica realmente divertido ─ e colei pequenas peças de folhas douradas que acrescentaram uma característica despojada, como joias, que transmite uma personalidade organizada e muito controlada.”
As criações de Kratter foram passadas para os artistas de sombreamento e tonalidade que descobriram como reproduzir os modelos no computador. As cores e texturas são adicionadas à peça de roupa depois que o departamento de simulação a ajustou para o personagem. De acordo com a supervisora de simulação Claudia Chung, o simulador físico deve ser programado para entender a estrutura do material selecionado e a granulação do tecido para que o produto final se pareça e se movimente como deve.
Mas isso não é fácil, diz Chung. “Kilts são incrivelmente difíceis de serem feitos em simulação”, diz ela. “Tem muitas pregas e tecidos juntos ─ era algo que nunca havíamos feito antes com tamanha magnitude. Um kilt tem muitas camadas de tecido e, no computador, elas não funcionam bem juntas. Elas começam a se sobrepor e a desaparecer.”
“O Rei Fergus foi o personagem mais difícil que já fizemos”, acrescenta Chung. “Antes disso o máximo de camadas de roupas que havíamos feito foi três ou quatro para Ratatouille com os aventais dos trajes dos chefs. Muito trabalho foi realizado no desenho do kilt de Fergus para que tivesse a aparência certa.”
Os cineastas até mesmo criaram o “Kilt Fridays” quando vários membros da equipe, incluindo o diretor Mark Andrews, vestia kilt para trabalhar de modo que eles podiam ser filmados, analisados e isso os ajudava a entrar no espírito da Escócia. “Agora eu tenho quatro kilts”, diz Andrews, cujos passatempos o levaram a escolha do figurino muito antes de Valente. “Um é um kilt tradicional; eu tenho dois outros kilts que são kilts curtos, padrão, que eu posso usar casualmente no trabalho ou em ocasiões formais. Eu tenho um kilt esportivo para os Jogos Highland ─ tenho um kilt para cada ocasião.”
Kratter criou desenhos originais de tartãs para cada clã. “Nós não queríamos copiar nenhum tartã específico, então inventamos o nosso”, diz o artista. “Começamos pensando que cores seriam certas para nossos personagens. Para a família de Mérida, escolhemos azuis e roxos profundos. Lorde Dingwall é meio desajeitado, então usamos cores que tinham uma paleta ligeiramente excêntrica e diferente. Macintosh é um pouco agressivo, então escolhemos vermelhos. As cores de MacGuffin são mais marrons e laranjas. Nós pudemos selecionar cores, balancear pesos e texturas e colocar em um programa que nos dava muitas diferentes combinações.”
De acordo com Kratter, o tartã dos DunBroch foi desenhado com cores ricas e sutis para refletir o ambiente montanhoso e natural da Escócia. A padronagem não é chamativa nem brilhante, mas organicamente refinada no que se refere a cor. A equipe de arte queria usar tons que fossem indicativos de técnicas de tintura usadas na época antiga na qual o filme de fantasia se passa. Muito semelhante à própria Escócia, o tartã dos DunBroch tem como base o azul do oceano do Mar do Norte. O escarlate profundo representa a reverência da família a sua história e ao sangue derramado durante as batalhas entre os clãs. O verde escuro mostra o amor pelas terras altas majestosas da Escócia, onde a história se desenrola. O azul marinho e suas interseções centrais, representam a formação dos clãs dentro do reino DunBroch. E, finalmente, o cinza sutil insere um sentido de respeito pela alma do forte povo escocês.
Muito por acaso, os desenhistas na verdade garantiram que o tartã dos DunBroch fosse bastante singular. “O departamento de arte nos deu um desenho de tartã personalizado para o clã real, mas quando analisamos com atenção, percebemos que era tecnicamente impossível tecer aquele desenho do modo tradicional”, explica Thompson. “Nós desenvolvemos um modo de tecer digitalmente o tecido dando a todas as linhas em uma única direção uma sequência de cores e a todas as linhas em outra direção uma sequência correspondente. Para o tartã dos DunBroch, nós tivemos que criar alguns truques para projetar ainda mais cores na mistura para fazer o desenho desejado parecer verdadeiro.”
Andrews diz que autenticidade confere uma sofisticação ao filme que irá envolver o público. “Este filme é muito rico ─ é muito tátil”, diz Andrews. “A questão com Valente é que você quer alcançá-lo e tocá-lo, você quer sentir tudo no filme, dos vestidos e kilts ao imenso emaranhado de cachos vermelhos na cabeça de Merida. É isso que transmite um tipo de sentimento especial de acolhimento ─ uma ligação pessoal ─ com a telona.”